quinta-feira, 19 de junho de 2008

CONTEMPORÂNEA - Fascismo, Chico Carlos

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. “Os fascismos” In.: FILHO, Daniel Aarão Reis. Século XX. Vol. II: o tempo das crises. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

Neste artigo do professor titular de História Moderna e Contemporânea da UFRJ, Francisco Carlos, o tema sobre o fascismo vai ser amplamente abordado. Aliás, Francisco Carlos cunha o termo fascismos, no plural, por ter sido um movimento não homogêneo em todos os sentidos enquanto de fato vigorou, principalmente, na primeira metade do século XX. Ainda nesse sentido, o ressurgimento do fascismo como movimento de massas em países como França, Itália, Rússia e na própria Alemanha, junto com a abertura de novos arquivos na década de 1990, possibilitaram novas interpretações sobre o movimento no passado e do atual movimento neofascista. Com isso, o autor vai procurar estabelecer estas novas interpretações sobre os fascismos, assim como fazer uma revisão historiográfica sobre o tema sem perder de vista a idéia de que o fascismo não é apenas um movimento que ficou na história, mas também um movimento presente em nossa atual sociedade.
No imediato pós- Segunda Guerra Mundial, os regimes políticos derrotados se resumiam ao nazismo. O termo fascismo, mais genérico, era pouco ou nada utilizado. A influência dos Estados Unidos nesta questão foi muito grande, pois não podiam declarar regimes como os da Itália, Hungria ou Croácia como fascistas com medo do avanço ideológico soviético sobre a região. A restrição do problema ao nazismo alemão vigorou por muito tempo, pelo menos por maior parte da Guerra Fria. Somente a partir da década de 1990 esta revisão historiográfica vai ser feita. Foi o mundo ocidental que buscou este esquecimento e resumiu tudo ao hitlerismo alemão. O nazismo era tratado como um acidente histórico, pertencente e intrinsecamente ligado à história da Alemanha.
Como o nazismo não foi tratado logo de início como deveria ser, o processo de desnazificação da sociedade européia não foi feito por completo. Isto em parte se deveu ao processo de “esquecimento” promovido pelos EUA na região. Com isso, Francisco Carlos faz uma ponte direta entre o nazismo e o neonazismo. As bases não foram por todo apagadas com o fim da Segunda Guerra Mundial, pelo contrário, durante a Guerra Fria isto ficou esquecido, e agora volta à tona com o fim dela.
Foi dessa forma que a historiografia sobre o fascismo entrou na Guerra Fria e consolidaram-se alguns mitos. O confronto baseava-se na equação: de um lado, os esforços de identificar fascistas e seus aliados; de outro, a preocupação crescente em estabelecer o mais rápido possível o esquecimento sobre a extensão do fenômeno fascista. Assim, o fascismo, para muitos, ficou circunscrito ao nazismo e associado à história da Alemanha.
Hoje, na Alemanha e na Itália, onde por razões óbvias os estudos sobre fascismo mais avançaram, poderíamos dizer que a maioria dos estudiosos concorda sobre dois pontos: i. a garantia da universalidade possível do fascismo como fenômeno histórico, com seu ápice no entreguerra; ii. A necessidade teórica de garantir a autonomia de uma teoria do fascismo em face dos fenômenos históricos que o envolvem. A tese da universalidade possível do fascismo implica a rejeição da exclusividade alemã do fenômeno.
No começo dos anos 1990 começa, de fato, uma nítida ressurgência do fascismo, quando Le Pen ganha na França e Jirinovski tem sucesso eleitoral na Federação Russa. Junto a isso, vários atentados neofascistas ocorreram na Europa e nos EUA. O cenário político europeu nos anos 90 mostra-se claramente tensionado pela presença de partidos e agrupamentos neofascistas. Ora, a explicação histórica se enfraquece perante estas novas circunstâncias. Assim, a ressurgência do fascismo nos obriga a lançar mão de um novo arsenal teórico e de novos métodos que possam explicar as duas marés fascistas.
O autor ainda vai nos explicar como será feita a sua análise sobre os fascismos que será um método comparativo, levando em conta ideologia, estilo político e os objetivos e formas de dominação de cada regime fascista tendo ele de fato se estabelecido, ou seja, conseguido tomar o poder, ou não.
Desta forma, Francisco Carlos vai dissertar sobre o que ele mesmo chamou de uma fenomenologia do fascismo, ou seja, analisar alguns pontos que são comuns a todos, ou, pelo menos, à maioria dos tipos de fascismo. Ele vai fazer isto não apenas com os olhos de um cientista social, mas também vai pegar aquilo que o fascismo dizia sobre si mesmo, ou seja, sobre o que os próprios fascistas se autodenominavam.
Uma primeira característica seria o antiliberalismo e o antiparlamentarismo. O fascismo acusa as formas liberais de organização e de representação, em especial o parlamento liberal, de originarem a crise contemporânea. O fascismo vai se apresentar como sucessor e único herdeiro de um sistema que não mais possui condições de manter a coesão nacional. A liderança fascista propunha-se a interpretar os anseios da massa, como o faz Hitler e Mussolini, em detrimento da legitimidade de um parlamento. Os manifestos dos partidos fascistas alemão e italiano traziam em seu bojo o repúdio ao liberalismo e ao parlamentarismo.
A idéia do liberalismo como elemento desagregador das massas surge como o verdadeiro elemento doutrinário do antiliberalismo fascista. O controle das massas era um dos pilares do fascismo e, qualquer coisa que ameaçasse esta ordem seria repudiada. O parlamentarismo e a democracia dividiram a população, todos brigando pelo poder, o que, segundo a doutrina fascista, era ruim para a sociedade pois causava discórdia entre a mesma.
Outra característica seria a formação de um Estado orgânico chefiado por uma liderança carismática. Em oposição ao liberalismo desagregador, o fascismo ofereceria uma variada gama de organicismos sociais, onde o Estado deveria ser visto de forma harmoniosa, despido de contradições no seu próprio interior, bem diferentemente do Estado liberal, dilacerado por querelas de grupos. O Estado apresenta-se como fator de coesão nacional, capaz de reerguer a nação e restaurar a identidade nacional dilacerada pelas lutas ensejadas pelo regime liberal.
Nessa esfera, os poderes legislativo e judiciário perdem força ou mesmo perdem sua função, enquanto o executivo absorve todas as prerrogativas do Estado. A instituição do partido único também faz parte do Estado orgânico no qual este partido se confunde com o Estado. Desta forma, o que era considerado como origem das fraquezas do Estado – a luta partidária – é erradicado. Os objetivos políticos maiores do Estado fascista dependiam inteiramente de um líder, o Führer, o Dulce, ou o chefe nacional. Nesses casos eram dispensáveis as leis ou as ordens escritas, disposições orais estabelecendo diretrizes de grande alcance. Inúmeras vezes davam-se recomendações claras para que as ordens fossem dadas de forma exclusivamente oral. O Estado fascista surge como uma policracia, com fontes autônomas de poder, com objetivos muitas vezes conflitantes, reunidos em torno de uma doutrina que serve de argamassa, gravitando em torno de uma personalidade autoritária e carismática, o líder nacional.
Mais uma característica atribuída aos fascismos é a comunidade do povo e a sociedade corporativa. Havia um projeto fascista, uma utopia capaz de seduzir homens e mulheres, de arrastar multidões para além das interpretações esotéricas e hipnóticas de um líder único. É nesse sentido que o fascismo mostra sua superioridade enquanto metapolítica, sua capacidade de propor formas eficientes de resistência à transcendência, a eterna mudança geradora da insegurança e da anomia. A principal resposta fascista à crise de identidade atribuída à imposição dos princípios liberais foi a proposição do Estado corporativo. Neste Estado, a raça, a história, o espírito da nação e etc. deveriam ser o cimento da nova comunidade, dando condições de identificação mútua entre seus membros. É nesse sentido que o fascismo se oferece como uma possibilidade de restauração de identidades perdidas. Eis aí, também, todo o seu poder de sedução e encantamento.
O fascismo propunha um Estado que se apresentaria como a corporação do trabalho, supraclassista e acima dos mesquinhos interesses privados e de suas representações partidárias. O fascismo, com sua teoria do Estado potência, tendia a recuperar o primado do político, submetendo o econômico a estreito dirigismo, como, por exemplo, na Alemanha.
Para minimizar as perdas do poder aquisitivo dos trabalhadores, controlá-los e atraí-los para o partido fascista, não devemos perder de vista a existência de uma real preocupação na gestão, pelo Estado, do tempo livre dos trabalhadores. A interferência permanente do Estado na vida privada dos cidadãos era parte integrante da mentalidade fascista, e um espaço vazio para a livre organização, mesmo que fosse de um time de futebol, não era bem visto. Assim, o dirigismo estatal e a organização corporativa, além de reconstruírem uma identidade perdida ao longo da instauração da sociedade industrial, liberal e de massas, surgiram como poderoso instrumento anticrise.
Por último, Francisco Carlos propõe a negação do eu e a negação do outro como características intencionais impostas pelos governos fascistas às suas sociedades. Nesta sociedade, estabelecido o que é nacional, tudo o mais é lançado ao pólo extremo do antinacional: por definição não-ariano, o comunista, o cigano, o negro, o estrangeiro e aqueles que afrontam a perfeição nacional / racial – os considerados mental ou fisicamente doentes. Nesse contexto, duas categorias de antinacionais se destacam: o judeu e o cigano. Ambos inserem-se no mesmo caso: são universais, cosmopolitas, falam línguas distintas, impedem a homogeneidade e a coesão nacional. No fascismo não há espaço para o outro, mesmo o outro hierarquizado e subordinado, tão pouco para sua educação e conversão num homem novo, como o comprova o extermínio de judeus e gays. Uma idéia força, raça ou nação, torna-se o único valor moral em torno do qual ergue-se um poderoso código de nação. Assim, armado com um sistema ideológico e mental adequado, o fascismo identifica em si mesmo valores absolutos e qualquer diferença tornar-se-á objeto de eliminação violenta.
O autor ainda vai procurar entender o porquê do Holocausto, o porquê de um verdadeiro extermínio em massa, sem precedentes na história. E isto ele vai procurar em seus algozes, e não nos perseguidos (judeus, ciganos e gays, em sua maioria). O principal inimigo encontrado para os fascistas (em especial os nazistas) foram os judeus. Tal inimigo deveria preencher alguns requisitos de veracidade para que o convencimento pudesse, de fato, funcionar em termos de recepção de idéias. Assim, conforme Neumann, o judeu preenchia alguns desses requisitos para uma parcela importante da população: eram estrangeiros, identificavam-se com o capitalismo e, ao mesmo tempo, com o comunismo, eram largamente avant garde literária, musical, artística em geral, possuíam uma religião específica e um anátema multissecular brandido pelo cristianismo... Assim, a escolha de um inimigo partia de um campo já reconhecido. Francisco Carlos cita Adorno: “o Holocausto está inextrincável e dialeticamente ligado ao ódio e à desconfiança contra todos os que (imaginariamente) são considerados fracos, débeis, felizes e fortes. É nesse sentido que as observações de Adorno e Neumann nos ajudam a pensar o holocausto judaico e todos aqueles que foram assassinados apenas por serem diferentes de um tipo imaginário alardeado como padrão.
Se pensarmos os tipos que foram alvos do fascismo, poderíamos perceber que são os grupos constituídos por uma cultura marcada por laços de solidariedade, de auto-identidade e ajuda. Este tipo de ajuda, que os dava coesão social, ia de encontro aos planos mais totalitários e fascistas de homens como Hitler e Mussolini.
Os pontos levantados acima pelo autor marcam, a nosso ver, a possibilidade de identificação do fascismo enquanto regime ou forma de dominação específica. Limpar o país dos antinacionais (ontem) ou expulsar o imigrante estrangeiro (hoje) é um objetivo que apenas restabelece, num nível imaginário, uma ordem voltada para o passado, expulsa o debate em torno das causas do mal-estar e identifica um alvo para a realização do ódio.

NAZISMO - Links do ódio, Adriana Dias

DIAS, Adriana. “Links de ódio: o racismo, o revisionismo e o neonazismo na internet” In.: Os Urbanitas: Revista de antropologia urbana. Campinas, Ano 3, vol. 3, no 4, julho de 2006.



Neste artigo, Adriana vai fazer uma breve análise introdutória sobre as questões do racismo, revisionismo e neonazismo em sites da internet. Segundo ela, há mais de oito mil sites racistas, neonazistas e revisionistas na internet, cerce de quinhentos em domínio brasileiro. Alguns chegam a atingir a marca de dois milhões de visitas mensais para cento e quarenta e cinco mil endereços de IP distintos.
Ainda segundo ela, praticamente todos os sites são também anti-semitas comprovando que estas novas teorias sobre a história necessariamente perpassam por esta questão. Esse contexto ultrapassa o limite dos sites racistas, e pulveriza a discussão a cerca de identidades raciais no campo digital, conduzindo-a para lugares não habituais para discussão do tema, como por exemplo, comunidades do orkut e torcidas organizadas de futebol.
Segundo as observações de Adriana, os sites são fundamentados num discurso que pretende ser científico e biológico e em articulações míticas e rituais. No primeiro caso, eles simplesmente podem simplificar tudo, dizendo que “nosso mundo simplesmente é hierárquico” ou ainda a velha noção de raças, sendo uma superior às outras. Chega a ser bizarro o que essas pessoas escrevem em seus sites. Por exemplo, “só podemos considerar ariano o que apresentar menos de 32% de material genético não ariano”. Com isso, a mistura de biologia com o saber histórico-político-social se mistura em algo absurdamente controverso, que nenhum raciocínio biológico pode comprovar.
Sobre as articulações míticas e rituais, tudo faz parte da crescente incorporação por estes movimentos de elementos ligados à questões supremas, como, por exemplo, a figura de Hitler. Nesse sentido, a imortalidade do sangue ganha força com a idéia de que a raça ariana tem de ser pura para que o sangue possa ser passado de geração em geração sem sofrer interferências impuras pelo meio do caminho.
O que de mais interessante a antropóloga quer nos passar com este texto, é demonstrar que a internet, como fenômeno tipicamente urbano e moderno, está sendo cada vez mais utilizado para a divulgação de conteúdos neonazistas e racistas, sem absolutamente nenhum controle.

NAZISMO - Revisionismo e negacionismo, Luis Milman

MILMAN, Luis. “Negacionismo: gênese e desenvolvimento do genocídio conceitual” In.: MILMAN, Luis, VIZENTINI, Paulo. Neonazismo, negacionismo e extremismo político. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000.


Luiz Milman vai abortar neste pequeno, porém bastante completa artigo, o tema sobre as origens do negacionismo através de uma análise de seus principais teóricos, bem como destacando suas principais características e em que se baseiam para afirmar certas coisas que são tão absurdamente desacreditáveis.
O pilar central que vai embasar as idéias de Milman é que o movimento negacionista e revisionista que começa a partir do início dos anos 1950 está intrinsecamente ligado ao anti-semitismo. Essas idéias de revisão da história bem como a negação do Holocausto passa, necessariamente, pelos adeptos do anti-semitismo, principalmente na Europa e nos EUA. Discutir o negacionismo é, assim, discutir o anti-semitismo.
É muito comum que, na análise do problema da negação do Holocausto, nos deparemos com falsas questões. Porém, existem fatos que são irrefutáveis, mas que os revisionistas insistem em refutar.
Ainda como historiografia, o negacionismo é uma deformação. Como ideologia, no entanto, ele é uma expressão particularmente assustadora da naturalidade com que convivemos com o perspectivismo relativista, o verbalismo vazio e a demagogia pseudocientífica.
Milman vai apontar como um dos primeiros negacionistas os franceses Paul Rassinier e Robert Faurrisson. Ambos vão dizer quase que a mesma coisa, assim como seus seguidores posteriores. Eles vão estar sempre negando de maneira categórica a existência de Campos de Extermínio e mesmo de uma grande matança de judeus. Para eles, muitos judeus morreram sim, mas em decorrência da guerra – o que seria inevitável. Milman consegue facilmente refutar qualquer afirmativa nesse sentido, uma vez que muitos documentos desmentem tal afirmativa.
O que esses negacionistas fazem é selecionar aqueles documentos que lhes interessam e refutam simplesmente os outros documentos. Até mesmo relatos são ignorados, pois dizem fazer parte de um grande complô judaico internacional contra a Alemanha. Mais uma vez aí o anti-semitismo está no cerne da questão. Para os revisionistas, a Europa e os árabes-palestinos são os principais inimigos do Estado de Israel. Inclusive, o alemão nazista Von Leers, ao se refugiar no Egito, coverteu-se ao islamismo, fazendo o elo entre o anti-semistismo alemão-europeu e o anti-semitismo árabe.
O que de mais interessante Milman nos mostra neste texto é o quão absurdo são os acontecimentos sobre o Holocausto que os revisionistas querem negar. Dizem, por exemplo, que as câmaras de gás não existiram porque não há nenhuma referência escrita sobre isso. De fato, Hitler nunca escreveu nada sobre as câmaras, assim como ele dificilmente emitia alguma ordem por escrito. Hitler fazia isso justamente para disfarçar o que estava acontecendo e, o simples fato de nenhuma ordem desse tipo estar documentada não significa que isso não aconteceu. Recentemente, a descobertas das plantas de Auschiwtz conseguem provar facilmente para o que serviam aquelas câmaras. Sem contar que muitos documentos foram destruídos antes que as forças aliadas chegassem até o bunker de Hitler.
Porém, o que o professor de filosofia quer ressaltar em seu artigo não é apenas refutar as idéias dos negacionistas, mas sim nos mostrar que idéias como estas ainda são recorrentes em nossa sociedade, que a banalidade do mal, como ele chama, parafraseando Hannah Arendt, é algo verdadeiro e muito presente em nossa sociedade, uma vez que uma das principais características dos revisionistas ou neonazistas é acreditar que os crimes por eles cometidos foram necessários e fundamentais, por isso, não carecem de remorso ou algo do gênero.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

CONTEMPORÂNEA - A era da guerra total, de Eric Hobsbawm

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Capítulo 1, p. 29-60 (“A era da guerra total”)


No primeiro capítulo de seu mais famoso livro, Eric Hobsbawm vai expor suas idéias sobre as duas Grandes Guerras mundiais, bem como o período de vinte anos de interregno entre as duas. Porém, Hobsbawm vai ser claramente a favor de compreender as Grandes Guerras do século XX como uma única grande guerra de 31 anos. Uma guerra que começa em 1914 com o assassinato de Francisco Ferdinando e termina com as bombas americanas lançadas sobre Hiroshima e Nagazaki em 1945. Vai ser esta a principal tese que o autor vai defender neste capítulo, apontando as características deste período da História. Além de também defender esta única Grande Guerra, em decorrência disso, defende a teoria de um período de guerra total, ou seja, quando todos os recursos e atenções das principais potências do mundo estão voltados basicamente para os esforços da Guerra.
Na primeira parte de seu primeiro capítulo, o historiador vai falar um pouco mais sobre a Primeira Guerra Mundial, embora deixe bem claro que já tenho falado melhor sobre ela e sobre suas causas em seu livro anterior, Era dos Impérios. Hobsbawm aponta que, antes de 1914, o mundo passou por 100 anos de relativa paz, apenas interrompida pela Guerra da Criméia, entre 1854-6. Em 1914 o mundo vai entrar em uma guerra que vai durar 31 anos e vai deixar milhões de mortos no mundo todo literalmente.
Até então não houvera, em absoluto, guerras mundiais. Tudo isso mudou em 1914. A Primeira Guerra Mundial envolveu todas as grandes potências, e na verdade todos os Estados europeus, com exceção da Espanha, os Países Baixos, os três países da Escandinávia e a Suíça. Embora a ação militar fora da Europa não fosse muito significativa a não ser no Oriente Médio, a guerra naval foi sem dúvida global, assim como na Segunda Guerra Mundial.
Para Hobsbawm, o que de muito importante vai marcar esta guerra, o que a diferencia das anteriores é o número de mortos em decorrência dela. Segundo ele, 1914 inaugura a era do massacre. Em quatro anos de guerra, os franceses perderam 800 mil pessoas; os franceses 1,6 milhão; a Alemanha 1,8 milhão e os EUA 116 mil.
Hobsbawm não entra em detalhes sobre as razões da Primeira Guerra, passa por cima disso. Porém, ele diz que, então como na Segunda Guerra Mundial, os alemães viram-se diante de uma possível guerra em duas frentes: A frente oriental contra a Rússia, e a frente ocidental contra França e Inglaterra. Foi esta última frente que se tornou uma máquina de massacre sem precedentes na história da guerra.
Esta frente ocidental ficou por dois anos nem verdadeiro impasse. Ninguém progredia e ninguém recuava. Foram anos em que o front de batalha não se mexia. A guerra era ininterrupta, porém, sem grandes vitórias em batalhas para nenhum dos lados. É deste período que alguns sobreviventes vão tirar suas “forças” para suas idéias sobre a guerra, como Adolf Hitler: eram os frontsoldat, sendo esta uma experiência formativa da vida.
Enquanto isso, a frente oriental continuava em movimento. Os russos foram os que mais perderam homens com a guerra. Em 1917, quando o país entra em sua própria revolução, se retira da guerra após acordos com a Alemanha e a guerra no oriente é cessada apenas por alguns anos.
Com uma superioridade tecnológica e numérica, os ingleses e americanos conseguem romper o impasse na frente ocidental e avançam, aos poucos, sobre Berlim.
Ao final da guerra surge um problema recorrente: como dividir as “pilhagens” de uma guerra. O Tratado de Versalhes vai ser discutido e assinado pelas potências vencedoras, o que vai gerar grande revolta dos países perdedores, principalmente da Alemanha que sai humilhada do conflito: perde território, tem que pagar indenizações, seu exército é limitado, dentre outros. O presidente americano Woodrow Wilson ainda tenta impor sanções menos humilhantes à Alemanha, mas Inglaterra e França não permitem isso.
Ao final da Guerra também é criada a Liga das Nações, um verdadeiro fracasso da diplomacia da época. Seu principal objetivo era evitar uma nova guerra daquelas proporções, e menos de vinte anos depois, o mundo já estava mergulhado em uma guerra mais violenta ainda, segundo Hobsbawm, uma continuação da primeira.
A segunda parte do capítulo vai tratar da Segunda Guerra Mundial. Basicamente, Hobsbawm vai apontar algumas causas desta guerra, sempre tendo em mente que a Segunda foi uma continuação da primeira. Os países em conflito eram basicamente os mesmos contra os mesmos; quem iniciou a agressão mais uma vez foi a Alemanha; o mundo sentia os efeitos da Crise de 1929 e, Alemanha e Itália encontraram maneiras inéditas para saírem desta crise econômica: o fascismo.
De fato, Hobsbwm não explicita muito bem suas idéias sobre o período entre-guerras. Chega mesmo a simplificar dizendo que os motivos da Segunda Grande Guerra podem ser resumidos na pessoas de Adolf Hitler. Outro motivo também apontado pelo autor, foi a Política do Apaziguamento. Ele não fala desta política com estes termos, mas diz que a política de não-intervenção na expansão nazistas proporcionou que Hitler ganhasse cada vez mais poder. As potências Aliadas acreditavam que seu verdadeiro inimigo era a URSS. Isto demonstrou-se, pelo menos naquele momento, um grave erro.
A Segunda Guerra foi marcada por uma incrível superioridade alemã nos primeiros anos de guerra. A máquina de guerra nazista vinha sendo construída desde o começo dos anos 1930 quando Hitler assumiu o poder. Até 1942, Hitler conseguiu avançar tanto pela frente oriental como pela frente ocidental conseguindo tomar, por exemplo, a França com incrível facilidade.
A entrada dos norte-americanos por um lado e o avanço russo pelo outro, fez com que a Alemanha fosse perdendo cada vez mais seus ganhos territoriais. A Itália já havia deixado a guerra em 1943. O Japão foi o último país do Eixo a se render incondicionalmente após as bombas atômicas. Esta guerra, assim como a primeira, foi uma guerra total. Só pelo lado soviético, foram cerca de 20 milhões de mortos; de judeus em Campos de Extermínio, foram perto de 5 milhões. No total, cerca de 40 milhões de pessoas, entre civis e militares perderam suas vidas nesta guerra. Esta também foi a primeira guerra em que não houve nenhuma distinção entre alvos civis e militares. E isto se deve ao motivo de que, com o aumento da tecnologia, a distância entre a pessoa que aperta um botão e a pessoa que morre em decorrência disso é muito grande, ou seja, quando uma pessoa não vê em quem está atirando, seu objetivo deixa de ser matar pessoas e passa a ser apenas o de acertar alvos e cumprir missões.
Enfim, Hobsbawm quer defender neste capítulo a continuidade das guerras, a segunda sendo decorrência da primeira e o período entre guerras como sendo apenas um intervalo para as potências centrais se rearmarem e partirem de novo para um conflito total, onde pela primeira vez, sistematicamente, não houve divisão entre civis e militares; não houve campos de batalha. As batalhas podiam ser travadas em qualquer lugar, principalmente nas cidades civis, o que levou a Segunda Guerra Mundial a ser o conflito mundial com maior número de mortos em relação ao tempo de guerra.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

CONTEMPORÂNEA - Polanyi - A grande transformação

POLANYI, Karl. A grande transformação. As origens da nossa época. São Paulo: Campus, 1980. Capítulo 12.


Neste capítulo, Polanyi vai descrever suas idéias sobre as origens do liberalismo econômico, consequentemente, também vai tratar um pouco do liberalismo social que começa na Europa e nos Estados Unidos e se expande para o mundo. A principal característica que vai ser ressaltada pelo autor sobre o liberalismo é o laissez-faire econômico, tema que vai ser muito bem explicitado e explicado por Polanyi.
Segundo o autor, o liberalismo econômico foi o princípio organizador de uma sociedade engajada na criação de um sistema de mercado. Pode-se dizer com segurança que o liberalismo econômico não era mais que uma tendência espasmódica até o começo do século XIX. Foi somente nos anos 1820 que Le passou a representar os três dogmas clássicos: o trabalho deveria encontrar seu preço no mercado, a criação do dinheiro deveria sujeitar-se a um mecanismo automático, os bens deveriam ser livres para fluir de país para país, sem empecilhos ou privilégios. Em resumo, um mercado de trabalho, o padrão-ouro e o livre comércio. Com isso, Polanyi delimita os três pilares ou características centrais do começo do liberalismo.
Na Inglaterra, o laissez-faire foi interpretado de forma muito estreita: ele significava apenas libertar-se das regulamentações da produção e o comércio não estava incluído. Foi somente nos anos 1830 que o liberalismo econômico explodiu como uma cruzada apaixonante, e o laissez-faire se tornou um credo militante. Incitado pelo liberalismo econômico, uma grande transformação ocorreu em duas grandes áreas da organização industrial: meio circulante e comércio. O laissez-faire se transformou num credo fervoroso em relação a essas duas áreas quando se tornou aparente a inutilidade de qualquer outra solução que não a mais extremada.
As fontes utópicas do dogma do laissez-faire não podem ser inteiramente compreendidas enquanto analisadas separadamente. Os três pilares – mercado de trabalho competitivo, padrão-ouro automático e comércio internacional livre – formavam um todo. Eram inúteis os sacrifícios exigidos para atingir qualquer um deles a menos que os dois outros fossem igualmente garantidos. Era tudo ou nada.
Não havia nada natural em relação ao laissez-faire; os mercados livres jamais poderiam funcionar deixando apenas que as coisas seguissem seu curso. Assim como as manufaturas de algodão – a indústria mais importante do livre comércio inglês – foram criadas com a ajuda de tarifas protetoras, de exportações subvencionadas e de subsídios indiretos dos salários, o próprio laissez-faire foi imposto pelo Estado. Este mecanismo não era o método para atingir alguma coisa, era a coisa a ser atingida.
O caminho para o mercado livre estava aberto e se mantinha aberto através do incremento de um intervencionismo contínuo, controlado e organizado de forma centralizada. Tornar a liberdade simples e natural de Adam Smith compatível com as necessidades de uma sociedade humana era tarefa muito complicada.
Enfim, o que se pode perceber claramente nas idéias de Polanyi é que, pelo menos em seu começo, o liberalismo econômico, de forma alguma, foi totalmente independente ou não-intervencionista, como muitos liberais querem mostrar. Muito pelo contrário, o Estado teve que intervir com medidas políticas e econômicas para fazer valer os interesses do livre mercado. Nesse sentido, o laissez-faire perde o seu significado semântico quase que por completo, uma vez que as políticas econômicas não eram simplesmente deixadas na “mão invisível do mercado”. Talvez a melhor contribuição deste texto, de fato, tenha sido a delimitação dos pilares centrais do liberalismo econômico tradicional: a valorização do trabalho competitivo, a adoção do padrão-ouro para todas as moedas do mundo e o livre mercado internacional sem barreiras alfandegárias.

NAZISMO - Goodrick-Clarke - Sol Negro

GOODRICK-CLARKE, Nicholas. Sol Negro: cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade. São Paulo: Madras, 2004. Capítulo 14 e conclusão.


Segundo Nicholas, raça é o ímã dos cultos arianos e do nazismo esotérico, o princípio-guia de sua visão de mundo histórica e política, ou seja, não se baseiam em nenhum método empírico para o estudo da história.
Os grupos neonazistas britânicos surgiram como resposta aos crescentes níveis de imigração de pessoas de cor, a partir do final da década de 1950. Entretanto, a extrema direita racista não cresceu em um vácuo. Apesar de a opinião liberal nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha se opor fortemente ao racismo, diversos fatores na política ocidental agiram para reintroduzir a raça como uma categoria legítima de identificação grupal.
Também se torna cada vez mais comum a procura por se vitimar os negros e os imigrantes nestes países centrais. A mídia liberal, principalmente, procura salientar um racismo cada vez mais latente por parte dos brancos. Crimes de negros contra brancos, como assassinato, estupro e assalto com violência são muito mais numerosos que crimes de brancos contra negros. Entretanto, a mídia nacional tipicamente salienta os casos de ataques raciais por parte dos brancos, enquanto muitos relatam os crimes dos negros como “indiferentes quanto à cor” e são, em geral, restritos à imprensa local. A presença desproporcionalmente grande da presença de negros no sistema penal, testemunhos evidentes de crimes, de violência e de baixa produtividade dos negros são amplamente ignorados pela mídia liberal, ou considerados como evidência da desvantagem dos negros e do racismo dos brancos.
Escrevendo após a Primeira Guerra Mundial, o teórico racial americano Lothrop Stoddard percebeu a ameaça da imigração tanto em termos econômicos – forçando a redução dos salários – como por suas conseqüências culturais, afetando a religião, as regras de conduta, leis e costumes.
A questão se os Estados Unidos podem realmente assimilar esses imigrantes implora por políticas de bilingüismo e multiculturalismo no sistema educacional. A primazia dos direitos humanos internacionais sobre noções de soberania nacional também levou a uma erosão progressiva da cidadania, pela qual estrangeiros clandestinos recebem benefícios do bem-estar social, da educação, de subsídios do governo e até mesmo o direito a voto.
O autor ainda conclui que os desafios do multirracialismo nos Estados ocidentais liberais são ainda maiores, e é evidente que a ação afirmativa e o multiculturalismo estão levando a uma hostilidade ainda mais difusa contra o liberalismo. De um ponto de vista retrospectivo de um futuro potencialmente autoritário em 2020 ou 2030, esses cultos arianos e o nazismo esotérico podem ser documentados como sintomas iniciais de grandes mudanças desestabilizadores nas democracias ocidentais da atualidade.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Contemporânea - de Decca - O colonialismo como a glória do império

DE DECCA, Edgard. “O colonialismo como a glória do império” In.: REIS FILHO, Daniel Aarão (Org.) O século XX: o tempo das certezas. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2000.

Neste artigo, de Decca vai nos apresentar uma visão panorâmica sobre como a sociedade européia reagiu ao imperialismo em finais do século XIX e começo do século XX. Predominantemente vai ser abordada uma visão da elite burguesa que se favoreceu imensamente com a expansão imperialista promovida pelas potências européias, descrevendo seus mais novos sonhos e anseios, assim como todas as suas contradições e medos, características da época moderna que se vivia no mundo ocidental. O autor ainda vai se utilizar de vários livros de romance para ilustrar suas idéias, o que deixa o presente trabalho muito mais rico.
Na última década do século XIX, a supremacia econômica do reino da Grã-Bretanha é inquestionável. Para se ter uma idéia, cerca de um quarto da superfície terrestre era dominada pelos interesses de Sua Majestade e da burguesia capitalista imperialista. Como é costume se dizer, este é um império onde o sol nunca se põe. De Decca ressalta a importância de também como as classes média e alta inglesa se sentiam, cada vez mais, fazendo parte deste novo mundo imperial. E não eram só os ingleses que se sentiam assim: França, Alemanha, Bélgica, Itália, cresceram desmesuradamente seus domínios além-mar durante o final do século XIX.
O autor vai apontar como a principal característica desse processo desenfreado por ampliação de espaços a motivação por uma necessidade irrefreável da ampliação de mercados das economias competitivas do capitalismo industrial. Outra particularidade importante a ser destacada é o fato de que essa expansão dirigiu-se, prioritariamente, para o continente africano, para toda a área territorial banhada pelo Oceano Pacífico e para a Ásia, sendo de pouca significação os processos de expansão européia no continente americano.
Ainda uma pequena discussão sobre a noção de imperialismo vai ser abordada. Segundo o autor, nada mais equivocado do que utilizar o termo imperialismo como sinônimo de construção de impérios, porque, para que esse termo tivesse alguma correspondência como realidade, seria necessário que a nação promotora desse império estendesse as suas leis e suas instituições aos territórios anexados e tornasse os povos dessas regiões tão iguais em direitos quanto aqueles que vivem em territórios da nação-mãe. Entretanto, aconteceu o contrário dessa situação. As instituições político-administrativas criadas pelo domínio imperialista jamais se confundiram com as instituições dos Estados-nações europeus. Nesse sentido, podemos definir o imperialismo como uma política deliberada dos Estados europeus de anexação de povos e territórios com vistas à expansão dos mercados capitalistas.
Se a expansão é tudo e o capitalismo precisa de novos mercados consumidores e de suprimentos de matérias-primas, existe ainda aquela sua necessidade maior, que é o reinvestimento do capital acumulado, que não encontra mais espaço nos limites do estado-nação para se reproduzir, sob o risco de cair a zero a sua taxa de lucratividade. A meta principal das nações industriais européias era, portanto, expandir as fronteiras para o capitalismo, mas também expandir os horizontes do homem comum europeu, que vivia nas grandes cidades ainda receoso e perplexo com a velocidade das mudanças tecnológicas e dos valores em uso.
O autor, a partir deste momento, vai procurar nos demonstrar como esta expansão do homem europeu se deu, o que foi, basicamente, uma expansão de seu horizonte, de suas idéias e de seus limites. Mergulhado nas contradições do modernismo, o homem começa a procura de aventuras na África e na Ásia. Nesse momento, o homem passa a ter mais tempo para o lazer e para o consumo de mercadorias e de novidades. Vai ser neste contexto que, segundo o autor, a figura do turista surge no mundo.
Uma série de romances e filmes vão ser citados para ilustrar o sentimento de novidade e expansão do homem. Pegando apenas dois exemplos, o Titanic seria um ótimo exemplo para representar o período. A classe abastada, no topo do navio está sempre em busca de aventuras, pelo descobrimento. Os pobres, que ficavam nos fundos do navio, iam em busca simplesmente de trabalho e melhores condições de vida. Quando da tragédia, é sempre de se supor que os mais miseráveis sofram bem mais do que os mais ricos. A classe burguesa sempre consegue sair da crise e do medo às custas dos mais pobres. Esta seria a lição que uma das grandes tragédias da história pode nos passar e que diz muito a ver com o ambiente moderno e imperialista de então.
Lawrence da Arábia também é lembrado pelo autor como um desbravador do oriente, homem culto e da elite que acaba se aliando com os povos árabes em favor de sua independência contra os turcos no começo do século XX. Antes de tudo, Lawrence é um grande aventureiro e desbravador de novos territórios, o que para o homem europeu estava na moda. Todos queriam se reconhecer em Lawrence como um futuro para si, um futuro de conquistas e expansão, tanto de limites territoriais quanto da independência humana.
A explosão do movimento socialista internacional também vai ser apontado como um fenômeno imperial e moderno. É neste período que a doutrina da internacional comunista toma sua forma, pois, com o crescimento da classe burguesa, segundo Marx, é conseguente o aumento da classe operária e de suas reinvidicações. Neste contexto de imperialismo, se torna mais fácil e comunicação entre o proletariado do mundo o que, em tese, favoreceria a tão sonhada revolução. Nesse sentido, o imperialismo teve que se debater com uma poderosa força política de contestação que ele próprio ajudou a propagar: o socialismo.
Por fim, de Decca ressalta a importância dos avanços tecnológicos para a construção da belle-époque européia, quando estes avanços científicos possibilitaram a independência do homem e, de certa forma, sua felicidade. Confesso que esta parte do texto me ficou um pouco obscura, pois temos consciência que este “progresso” não chegou para todos, nem os benefícios da modernidade puderam ser sentidos por todos em um mesmo nível de satisfação. Também é neste período que vai ocorrer uma grande expansão da mulher, que passa a ser considerada o núcleo familiar, ao mesmo tempo que começa a demonstrar alguma autonomia política e social em relação ao homem e à própria sociedade.
Enfim, a época dos impérios foi de um grande avanço não só territorial, político e econômico mundial, mas também de qualidade de vida, de possibilidades de lazer e diversão, de novas propostas ideológicas e de todo o seu contrário, como não poderia deixar de ser nada que faz parte do moderno mundo.

Robert Paxton - A anatomia do fascismo - Cap. 7

PAXTON, Robert. A anatomia do fascismo. São Paulo: Paz e terra, 2007. Capítulo 7.


No capítulo sete de seu livro sobre o fascismo, Robert Paxton vai se preocupar em descrever alguns regimes ou sistemas políticos dentro e fora da Europa que tenham algumas características fascistas mas que, segundo a teoria de Paxton, não podem ser considerados fascistas de fato ou de direito. Para Paxton, fascistas foram os regimes de Hitler e Mussolini, alguns regimes concomitantes a esses ou mesmo posteriores foram somente inspirados ou sofreram influência desses fascismos clássicos. Paxton ainda se indaga se o fascismo ainda é possível no mundo de hoje, o que ele vai responder no final do capítulo.
Alguns estudiosos importantes afirmaram que o período fascista terminou em 1945. O maior obstáculo ao renascimento do fascismo clássico, após 1945, foi a repugnância que ele veio a inspirar, além de enfrentar a crescente prosperidade e a globalização aparentemente irreversível da economia mundial e o triunfo do consumismo individual, coisas diametralmente opostas ao fascismo. Porém, o fim desse regime foi posto em dúvida na década de 1990 por uma série de acontecimentos preocupantes: a limpeza étnica nos Bálcãs; a exacerbação dos nacionalismos excludentes no Leste europeu pós-comunista; a disseminação da violência dos skinheads contra os imigrantes, na Grã-Bretanha, na Alemanha, na Escandinávia e na Itália; a primeira participação de um partido neofascista num governo europeu, na Itália; a surpreendente chegada em segundo lugar nas eleições de 2002, na França, de Jean-Marie Le Pen, declaradamente de extrema-direita.
Atualmente, a posição mais comum é que, embora o fascismo ainda esteja vivo, as condições da Europa do entreguerras, que permitiram a ela fundar grandes movimentos e até mesmo tomar o poder, deixaram de existir, e Paxton concorda e vai defender esta tese. Porém, se entendermos o renascimento de um fascismo atualizado como o surgimento de algum tipo de equivalente funcional, e não de uma repetição exata, essa recorrência é de fato possível.
Paxton ainda vai traçar um extenso panorama da Europa Ocidental pós-guerra, buscando alguns resquícios do fascismo ainda existentes e como eles estão se manifestando até os dias de hoje.
Ex-nazistas e ex-fascistas impenitentes, durante toda a geração que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, criaram movimentos herdeiros em todos os países europeus. A Alemanha, como é natural, foi a que despertou as maiores preocupações. Usando as palavras de Francisco Carlos, “a desnazificação na Alemanha nazista não foi completa”. Paxton vai querer demonstrar que, tanto na Alemanha quanto na Itália, alguns pequenos partidos fascistas ainda continuaram com força, principalmente a partir da década de 1990. Em outros países da Europa Ocidental os movimentos neofascistas são ainda mais fortes, como na França, na Áustria e na Espanha.
Para Paxton, o ressurgimento do fascismo se deve a vários fatores. Primeiro, os fascistas europeus não foram totalmente eliminados, ou mortos, até 1945. Muitos ainda sobreviveram. Em segundo lugar, a nova economia européia causa desemprego e divide a população entre mais qualificados em nível escolar e outros menos qualificados. E em terceiro, porém não menos importante, o problema dos imigrantes que foram em massa para a Europa nas décadas de 1960 e 70. Além do mais, a imigração para a Europa havia mudado de figura em relação a tempos anteriores do fascismo. Enquanto os imigrantes de antes vinham da Europa do Sul ou do Leste, diferindo apenas ligeiramente de seus anfitriões, os novos imigrantes vinham agora de seus antigos territórios coloniais: África do Norte e África Subsaariana, Caribe, Índia, Paquistão e Turquia. E enquanto os imigrantes de antes tendiam a ser rapidamente assimilados e a desaparecer na população em geral, os novos aferravam-se a costumes e religiões visivelmente diferentes.
Em suma, ainda que na Europa Ocidental, a partir de 1945, vários movimentos neofascistas tenham surgido, as circunstâncias, hoje em dia, são tão diferentes da Europa do entreguerras que não há abertura significativa para partidos abertamente filiados ao fascismo clássico.
Já no Leste europeu pós-soviético, em nenhum outro lugar do planeta produziu, em anos recentes, uma coleção mais virulenta de movimentos de direita radical. Apenas para citar um grande exemplo, podemos citar os massacres nos Bálcãs, promovidos por Milosevic, no começo da década de 1990. Segundo Paxton, este foi um claro movimento de limpeza étnica promovido na região, o que talvez seja a característica mais cruel e visível do fascismo. Portanto, foi na Iugoslávia pós-comunista que surgiu o equivalente mais próximo das políticas nazistas de extermínio já ocorrido na Europa do pós-guerra.
Fora da Europa, Paxton analisa vários casos que, por muitos estudiosos são considerados fascistas. Para o autor, o que de mais próximo surgiu de um movimento com as características fascistas fora da Europa foi a experiência brasileira. Os integralistas brasileiros foi um movimento muito bem organizado, declaradamente fascista, com muitos elementos característicos deste fenômeno.
Outros casos ainda foram levados em consideração, como os regimes de Pinochet no Chile, Perón na Argentina e o Japão imperial da Segunda Guerra Mundial. No geral todos estes regimes se enquadram na teoria geral da Paxton, que diz que foram movimentos inspirados nos fascismos clássicos, com características próprias e com muitos elementos básicos diferentes dos regimes clássicos.
Paxton vai tirar duas conclusões de seu texto. A primeira é que não existiu nenhum regime literalmente, ou completamente, fascista fora da Alemanha e da Itália, mas que, de fato, inspirou muitos extremistas em todo o mundo. Em segundo, se aceitarmos uma interpretação do fascismo que não se limite à cultura do fim-do-século europeu, a possibilidade de um fascismo não-europeu não é menor que a que existia na década de 1930, e talvez ainda seja maior, devido ao grande aumento do número de experiências fracassadas de implantação da democracia e de governo representativo ocorrido desde 1945. Enfim, o fascismo alemão e italiano não seriam mais possíveis, mas seriam sim, muito bem possíveis, movimentos similares que denominaríamos neofascistas.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

CONTEMPORÂNEA - "A era dos impérios" (cap. 2) de Eric Hobsbawn

HOBSBAWN, Eric J. A era dos impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. Capítulo 2.

No capítulo 2 de “A era dos impérios”, Eric J. Hobsbawn vai destacar o cenário econômico mundial do período compreendido entre os anos de 1875 e 1974. Como é de conhecimento geral, o mundo passou por uma Grande Depressão econômica nos anos 1870, depressão esta que só veio a ser superada em meados da década de 1890 até o começo da Primeira Guerra Mundial. Hobsbawn vai apontar as causas e as principais características dessa crise econômica bem como apontar como o capitalismo conseguiu sair desta profunda depressão.
Hobsbawn vai descrever que, embora o ritmo comercial, que configura o ritmo básico de uma economia capitalista, tenha, por certo, gerado algumas depressões agudas no período entre 1873 e meados dos anos 1890, a produção mundial, longe de estagnar, continuou a aumentar acentuadamente. Foi exatamente nessas décadas que as economias mundiais industriais americana e alemã avançaram a passos agigantados e que a revolução industrial se estendeu a novos países, como a Suécia e a Rússia. Automaticamente, uma indagação vem à mente de Hobsbawn: a de se em um período com um aumento tão espetacular da produção podia ser descrito como uma “Grande Depressão”? A resposta, como veremos, é afirmativa, pois o aumento da produção não significa, necessariamente, aumento do desenvolvimento econômico.
Quanto aos economistas e empresários, o que preocupava até os de mentalidade menos apocalíptica era a prolongada depressão de preços, uma depressão de juros e uma depressão de lucros. Em suma, após o colapso reconhecidamente drástico dos anos 1870 o que estava em questão não era a produção, mas sua lucratividade. A produção aumentou, mas a lucratividade, pelo contrário, diminuiu. A agricultura foi a vítima mais espetacular desse declínio dos lucros.
O setor empresarial tinha seus próprios problemas. Uma época em que se incutiu a crença de que um aumento de preços (inflação) é um desastre econômico pode ter dificuldades de acreditar que os homens de negócios do século XIX se preocupavam muito mais com uma queda dos preços. Outra dificuldade foi que os custos de produção eram, a curto prazo, mais estáveis que o preço, pois os salários não podiam ser, ou não foram, reduzidos proporcionalmente, ao passo que as empresas também estavam sobrecarregadas com fábricas e equipamentos já obsoletos, ou em vias de se tornar; ou com fábricas e equipamentos novos e caros, que, dados os baixos lucros, demoravam mais que o previsto a se serem pagos.
O cenário econômico mundial que o autor nos apresenta é o de grande aumento da produção, acompanhado da queda dos preços (deflação) e de um crescimento do mercado consumidor não suficiente, o que acarretou uma queda das taxas de lucro. A Grande Depressão fechou a longa era do liberalismo econômico que vai ser substituída por certo protecionismo econômico das grandes potências européias, com exceção da Grã-Bretanha que ainda abraçava a bandeira do livre comércio.
Uma saída encontrada para a crise foi a liberalização do comércio ultramarino, ou seja, o imperialismo. Assim sendo, o livre comércio parecia indispensável, pois permitia que os fornecedores ultramarinos de produtos primários trocassem suas mercadorias por manufaturados britânicos, reforçando assim a simbiose entre o Reino Unido e o mundo subdesenvolvido. A Grã-Bretanha continuou comprometida com o liberalismo econômico, dando aos países protecionistas ao mesmo tempo a liberdade de controlar seus mercados internos e muito espaço para promover suas exportações. Em uma de suas geniais frases, Hobsbawn diz que “o liberalismo foi a anarquia da burguesia”. (p. 66)
Mas, na prática, esse modelo era inadequado. A economia capitalista mundial em expansão era formada por um conjunto de blocos sólidos, mas também fluidos. Independente das origens das “economias nacionais” que constituíam esses blocos e das limitações teóricas de uma teoria econômica baseadas nelas, as economias nacionais existiam porque os Estados-nação existiam. Porém, o mundo desenvolvido não era só uma massa de “economias nacionais”. A industrialização e a Depressão transformaram-nas num grupo de economias rivais, em que os ganhos de uma pareciam ameaçar a posição de outras.
Nesta onda do protecionismo econômico, se deu a origem do que conhecemos como “capitalismo monopolista”, ou seja, um surto de cartéis que acabam com as empresas menores, principalmente as do setor bancário.
Na indústria, uma verdadeira revolução na produção vai melhorar o desempenho dela: o taylorismo. A teoria principal de Taylor era conseguir que os operários trabalhassem mais. Em primeiro lugar, isolando cada operário de seu grupo de trabalho e transferindo o controle do processo de trabalho do operário ou do grupo a agentes da administração; em segundo, uma divisão sistemática de cada processo em unidades componentes cronometradas; e em terceiro, vários sistemas de pagamento dos salários, o que incentivaria o operário a produzir mais.
Havia ainda, uma terceira saída possível para os problemas empresariais: o imperialismo. Não há como negar que a pressão do capital à procura de investimentos mais lucrativos, bem como a da produção à procura de mercados, contribuíram para as políticas expansionistas – inclusive a conquista colonial.
Portanto, chegamos a dois períodos razoavelmente bem definidos: o de uma Grande Depressão na década de 1870 e a sua superação a partir de meados de 1890. A recuperação deveu-se, como já apontou Hobsbawn, a três principais medidas tomadas: o protecionismo econômico (exceto a “rainha dos mares”), proporcionando a criação do “capitalismo monopolista”; o taylorismo, maximizando a produção; e o imperialismo, buscando matérias-prima e mercado consumidor.
Porém, esta passagem da Depressão para a prosperidade foi muito rápida. Segundo Hobsbawn, “a passagem da preocupação à euforia foi tão súbita e dramática”. (p. 73) De qualquer maneira, tornou-se evidente que aqueles que haviam feito previsões sombrias acerca do futuro do capitalismo, ou mesmo a cerca de seu colapso iminente, haviam errado.
Segundo Hobsbawn, o que tornou a economia mundial tão dinâmica, seja qual for a explicação detalhada, a chave do problema está claramente na faixa central de países industrializados. Esses países agora formavam uma massa produtiva enorme, crescendo e se estendendo rapidamente no núcleo da economia mundial.
Para finalizar, o historiador vai traçar um esboço, ou resumo, da economia mundial da Era do Império, características essas que podem perfeitamente exemplificar a queda e ascensão da economia mundial, apontando as principais contradições do capitalismo.
Em primeiro lugar, foi uma economia cuja base geográfica era muito mais ampla do que antes. Sua parcela industrializada e em processo de industrialização aumentara. A economia da Era dos Impérios foi aquela em que Baku (no Azerbaijão) e a bacia do Donets (na Ucrânia) foram integradas à geografia industrial. Por conseguinte a economia mundial agora era notavelmente mais pluralista que antes. A economia britânica deixou de ser a única totalmente industrializada e, na verdade, a única industrial. Outras potências começaram a aparecer no cenário internacional, como os EUA e a Alemanha.
A terceira característica da economia mundial é a que mais salta aos olhos: a revolução tecnológica. Como todos nós sabemos, foi nessa época que o telefone e o telégrafo sem fio, o fonógrafo e o cinema, o automóvel e o avião passaram a fazer parte do cenário da vida moderna.
A quarta característica foi uma dupla transformação da empresa capitalista: em sua estrutura e em seu modus operandi. Por um lado, houve a concentração de capital. Por outro, houve uma tentativa sistemática de racionalizar a produção e a direção das empresas aplicando métodos científicos não só à tecnologia, mas também à organização e aos cálculos, ou seja, tayloriamo.
A quinta característica foi uma transformação excepcional do mercado de bens de consumo: uma mudança tanto quantitativa quanto qualitativa. Com o aumento da população, da urbanização e da renda real, o mercado de massa, até então mais ou menos restrito à alimentação e ao vestuário, ou seja, às necessidades básicas, começou a dominar as indústrias produtoras de bens de consumo.
O aspecto acima também se ajustava naturalmente à sexta característica da economia: o crescimento acentuado do setor terciário da economia, tanto público quanto privado – trabalho em escritórios, lojas e outros serviços.
Enfim, estas seis proposições do capitalismo em finais do século XIX resume bem a visão de Hobsbawn sobre o panorama capitalista à época.

NAZISMO - "Anatomia do fascismo" (cap. 8) de Paxton

PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007. Capítulo 8: p. 335-361.

Neste último capítulo de seu livro, Paxton vai concluir seu livro tentando responder algumas questões que ele próprio suscitou ao longo de seu compêndio. Primeiramente, ele vai nos passar várias interpretações que podem ser dadas ao fascismo, interpretações estas que podem ser, além de diferentes, conflitantes. Depois, Paxton vai delimitar uma fronteira entre o que foi realmente o fascismo (os casos alemão e italiano) e outros fenômenos políticos que, segundo Paxton, não foram (Portugal, Espanha, França) por não terem passado por todas as etapas do fascismo. Por último e finalmente, uma definição do que é o fascismo vai ser dada, embora o próprio autor deixe bem claro que é uma definição vaga e passível de mudanças.
Para o autor, há varias informações conflitantes sobre o que é o fascismo. São interpretações que foram construídas ao longo da historiografia que Paxton tenta questionar.
As “primeiras tomadas” de interpretações foram as de cunho marxista e liberal. A marxista procura retratar os nazistas como rufiões no poder e agentes do capitalismo, porém, ver o fascismo simplesmente como um instrumento do capitalismo nos leva a equívocos. O capitalismo e o fascismo tornaram-se aliados práticos, embora saibamos que um regime tinha muitos pontos em conflito com o outro. Quanto à interpretação oposta, liberal, que retrata a comunidade empresarial como vítima do fascismo, ela leva demasiadamente a sério as fricções dos escalões médios, endêmicas em relações deste tipo, e também às tentativas dos empresários de se eximir de culpa, após o término da guerra. Os fascistas eram vistos como um “mal necessário” para conter o crescimento do comunismo.
Estas duas interpretações eram as mais pensadas, porém, outras vão surgir. O caráter obviamente obsessivo de alguns fascistas clamava por psicanálise. A biografia mais recente e de maior peso intelectual sobre Hitler conclui, com razão, que temos que nos ater menos às excentricidades do Führer que ao papel projetado sobre ele pelo povo alemão, papel este que desempenhou com sucesso quase até o fim. Talvez sejam os públicos fascistas, e não seus líderes, que precisem ser psicanalisados.
Outra interpretação sugeria que o fascismo havia surgido do desenraizamento e das tensões provocadas por um desenvolvimento econômico e social desigual. Em países que se industrializaram de maneira rápida e tardia, como a Alemanha e a Itália, as tensões de classe eram particularmente agudas, e as soluções de compromisso eram bloqueadas pelas elites pré-industriais sobreviventes.
Uma corrente de pensamento influente vê o fascismo como uma ditadura desenvolvimentista, estabelecida com o propósito de acelerar o crescimento industrial pela poupança forçada e pela arregimentação da força de trabalho. Essa interpretação, segundo Paxton, comete um erro grave ao supor que o fascismo perseguia algum tipo de objetivo racional. O que Hitler queria era submeter a economia para fazê-la servir a fins políticos. As economias fascistas cresceram muito mais antes e depois das guerras mundiais. Durante o período entre guerras e durante a própria Segunda Guerra Mundial, as economias cresceram, mas de maneira maquiada, ou seja, à base de uma grande inflação disfarçada pelo Estado.
Uma multidão de observadores vê o fascismo como uma subespécie do totalitarismo. Giovanni Amendola cunhou o adjetivo totalitário para o fascismo. Paxton vai chegar a conclusão que todo regime fascista era totalitário, porém, a recíproca não era verdadeira. Por exemplo, o Estado Novo brasileiro era totalitário, mas faltavam muitos elementos fascistas em Vargas.
Há ainda interpretações culturais sobre o fascismo. De modo geral o estudo da cultura fascista, em si, não consegue explicar de que forma estes adquiriram o poder de controlar a cultura. De qualquer modo, a cultura difere tão profundamente de um ambiente nacional para outro, e de um período para outro, que é difícil encontrar um programa cultural comum a todos os movimentos fascistas.
Com isso, podemos chega a conclusão de que nenhuma interpretação é passível de uma unanimidade acerca de sua veracidade. Como historiadores, sabemos que a história é mutável, está sempre passível de novas interpretações.
Paxton ainda vai delimitar fronteiras entre os fascismos reais, ou seja, que chegaram ao poder e que se estruturaram como tal, e as demais formas “incompletas” de fascismo através de algumas características que não são intrínsecas ao regime.
A mais simples dessas fronteiras separa o fascismo da tirania clássica. É fácil confundir o fascismo com as ditaduras militares, pois ambos os líderes militarizaram suas sociedades e colocaram as guerras de conquista como uma meta central. No entanto, embora todos os fascismos sejam militaristas, nem todas as ditaduras militares são fascistas. A maioria das ditaduras militares atua como simples tirania, sem ousar desencadear a excitação popular do fascismo, como nos casos das ditaduras militares no Brasil e no Chile.
As fronteiras que separam o fascismo do autoritarismo são mais sutis. Embora seja comum que os regimes autoritários desrespeitem as liberdades civis e sejam capazes de brutalidade homicida, não compartilham da ânsia de reduzir a zero a esfera privada. Os autoritários querem um Estado forte, mas limitado. Hesitam em intervir na economia, coisa que os fascistas estão sempre prontos a fazer. Paxton cita como exemplo os Estados autoritários em Portugal e na Espanha nas décadas de 1930 e 40. Para o autor, eram claramente autoritários, porém, não eram fascistas.
Finalmente, Paxton consegue sistematizar uma definição para o fascismo. Segundo Paxton, o fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionais engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza.
O próprio Paxton quer deixar bem claro que esta é uma definição incompleta e passível de críticas, e concordamos neste ponto. Por exemplo, Paxton não leva em consideração em sua análise regimes que não chegaram às vias de fato, ou seja, não assumiram o poder, como na Bulgária, nem tão pouco considera os regimes de Franco e Salazar como fascistas. Achamos que uma maior compreensão do fascismo como um fenômeno plural seria mais adequada. Como diria Francisco Carlos, “Os fascismos” são muitos e devem ser compreendidos nas suas especificidades.