quinta-feira, 19 de junho de 2008

CONTEMPORÂNEA - Fascismo, Chico Carlos

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. “Os fascismos” In.: FILHO, Daniel Aarão Reis. Século XX. Vol. II: o tempo das crises. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

Neste artigo do professor titular de História Moderna e Contemporânea da UFRJ, Francisco Carlos, o tema sobre o fascismo vai ser amplamente abordado. Aliás, Francisco Carlos cunha o termo fascismos, no plural, por ter sido um movimento não homogêneo em todos os sentidos enquanto de fato vigorou, principalmente, na primeira metade do século XX. Ainda nesse sentido, o ressurgimento do fascismo como movimento de massas em países como França, Itália, Rússia e na própria Alemanha, junto com a abertura de novos arquivos na década de 1990, possibilitaram novas interpretações sobre o movimento no passado e do atual movimento neofascista. Com isso, o autor vai procurar estabelecer estas novas interpretações sobre os fascismos, assim como fazer uma revisão historiográfica sobre o tema sem perder de vista a idéia de que o fascismo não é apenas um movimento que ficou na história, mas também um movimento presente em nossa atual sociedade.
No imediato pós- Segunda Guerra Mundial, os regimes políticos derrotados se resumiam ao nazismo. O termo fascismo, mais genérico, era pouco ou nada utilizado. A influência dos Estados Unidos nesta questão foi muito grande, pois não podiam declarar regimes como os da Itália, Hungria ou Croácia como fascistas com medo do avanço ideológico soviético sobre a região. A restrição do problema ao nazismo alemão vigorou por muito tempo, pelo menos por maior parte da Guerra Fria. Somente a partir da década de 1990 esta revisão historiográfica vai ser feita. Foi o mundo ocidental que buscou este esquecimento e resumiu tudo ao hitlerismo alemão. O nazismo era tratado como um acidente histórico, pertencente e intrinsecamente ligado à história da Alemanha.
Como o nazismo não foi tratado logo de início como deveria ser, o processo de desnazificação da sociedade européia não foi feito por completo. Isto em parte se deveu ao processo de “esquecimento” promovido pelos EUA na região. Com isso, Francisco Carlos faz uma ponte direta entre o nazismo e o neonazismo. As bases não foram por todo apagadas com o fim da Segunda Guerra Mundial, pelo contrário, durante a Guerra Fria isto ficou esquecido, e agora volta à tona com o fim dela.
Foi dessa forma que a historiografia sobre o fascismo entrou na Guerra Fria e consolidaram-se alguns mitos. O confronto baseava-se na equação: de um lado, os esforços de identificar fascistas e seus aliados; de outro, a preocupação crescente em estabelecer o mais rápido possível o esquecimento sobre a extensão do fenômeno fascista. Assim, o fascismo, para muitos, ficou circunscrito ao nazismo e associado à história da Alemanha.
Hoje, na Alemanha e na Itália, onde por razões óbvias os estudos sobre fascismo mais avançaram, poderíamos dizer que a maioria dos estudiosos concorda sobre dois pontos: i. a garantia da universalidade possível do fascismo como fenômeno histórico, com seu ápice no entreguerra; ii. A necessidade teórica de garantir a autonomia de uma teoria do fascismo em face dos fenômenos históricos que o envolvem. A tese da universalidade possível do fascismo implica a rejeição da exclusividade alemã do fenômeno.
No começo dos anos 1990 começa, de fato, uma nítida ressurgência do fascismo, quando Le Pen ganha na França e Jirinovski tem sucesso eleitoral na Federação Russa. Junto a isso, vários atentados neofascistas ocorreram na Europa e nos EUA. O cenário político europeu nos anos 90 mostra-se claramente tensionado pela presença de partidos e agrupamentos neofascistas. Ora, a explicação histórica se enfraquece perante estas novas circunstâncias. Assim, a ressurgência do fascismo nos obriga a lançar mão de um novo arsenal teórico e de novos métodos que possam explicar as duas marés fascistas.
O autor ainda vai nos explicar como será feita a sua análise sobre os fascismos que será um método comparativo, levando em conta ideologia, estilo político e os objetivos e formas de dominação de cada regime fascista tendo ele de fato se estabelecido, ou seja, conseguido tomar o poder, ou não.
Desta forma, Francisco Carlos vai dissertar sobre o que ele mesmo chamou de uma fenomenologia do fascismo, ou seja, analisar alguns pontos que são comuns a todos, ou, pelo menos, à maioria dos tipos de fascismo. Ele vai fazer isto não apenas com os olhos de um cientista social, mas também vai pegar aquilo que o fascismo dizia sobre si mesmo, ou seja, sobre o que os próprios fascistas se autodenominavam.
Uma primeira característica seria o antiliberalismo e o antiparlamentarismo. O fascismo acusa as formas liberais de organização e de representação, em especial o parlamento liberal, de originarem a crise contemporânea. O fascismo vai se apresentar como sucessor e único herdeiro de um sistema que não mais possui condições de manter a coesão nacional. A liderança fascista propunha-se a interpretar os anseios da massa, como o faz Hitler e Mussolini, em detrimento da legitimidade de um parlamento. Os manifestos dos partidos fascistas alemão e italiano traziam em seu bojo o repúdio ao liberalismo e ao parlamentarismo.
A idéia do liberalismo como elemento desagregador das massas surge como o verdadeiro elemento doutrinário do antiliberalismo fascista. O controle das massas era um dos pilares do fascismo e, qualquer coisa que ameaçasse esta ordem seria repudiada. O parlamentarismo e a democracia dividiram a população, todos brigando pelo poder, o que, segundo a doutrina fascista, era ruim para a sociedade pois causava discórdia entre a mesma.
Outra característica seria a formação de um Estado orgânico chefiado por uma liderança carismática. Em oposição ao liberalismo desagregador, o fascismo ofereceria uma variada gama de organicismos sociais, onde o Estado deveria ser visto de forma harmoniosa, despido de contradições no seu próprio interior, bem diferentemente do Estado liberal, dilacerado por querelas de grupos. O Estado apresenta-se como fator de coesão nacional, capaz de reerguer a nação e restaurar a identidade nacional dilacerada pelas lutas ensejadas pelo regime liberal.
Nessa esfera, os poderes legislativo e judiciário perdem força ou mesmo perdem sua função, enquanto o executivo absorve todas as prerrogativas do Estado. A instituição do partido único também faz parte do Estado orgânico no qual este partido se confunde com o Estado. Desta forma, o que era considerado como origem das fraquezas do Estado – a luta partidária – é erradicado. Os objetivos políticos maiores do Estado fascista dependiam inteiramente de um líder, o Führer, o Dulce, ou o chefe nacional. Nesses casos eram dispensáveis as leis ou as ordens escritas, disposições orais estabelecendo diretrizes de grande alcance. Inúmeras vezes davam-se recomendações claras para que as ordens fossem dadas de forma exclusivamente oral. O Estado fascista surge como uma policracia, com fontes autônomas de poder, com objetivos muitas vezes conflitantes, reunidos em torno de uma doutrina que serve de argamassa, gravitando em torno de uma personalidade autoritária e carismática, o líder nacional.
Mais uma característica atribuída aos fascismos é a comunidade do povo e a sociedade corporativa. Havia um projeto fascista, uma utopia capaz de seduzir homens e mulheres, de arrastar multidões para além das interpretações esotéricas e hipnóticas de um líder único. É nesse sentido que o fascismo mostra sua superioridade enquanto metapolítica, sua capacidade de propor formas eficientes de resistência à transcendência, a eterna mudança geradora da insegurança e da anomia. A principal resposta fascista à crise de identidade atribuída à imposição dos princípios liberais foi a proposição do Estado corporativo. Neste Estado, a raça, a história, o espírito da nação e etc. deveriam ser o cimento da nova comunidade, dando condições de identificação mútua entre seus membros. É nesse sentido que o fascismo se oferece como uma possibilidade de restauração de identidades perdidas. Eis aí, também, todo o seu poder de sedução e encantamento.
O fascismo propunha um Estado que se apresentaria como a corporação do trabalho, supraclassista e acima dos mesquinhos interesses privados e de suas representações partidárias. O fascismo, com sua teoria do Estado potência, tendia a recuperar o primado do político, submetendo o econômico a estreito dirigismo, como, por exemplo, na Alemanha.
Para minimizar as perdas do poder aquisitivo dos trabalhadores, controlá-los e atraí-los para o partido fascista, não devemos perder de vista a existência de uma real preocupação na gestão, pelo Estado, do tempo livre dos trabalhadores. A interferência permanente do Estado na vida privada dos cidadãos era parte integrante da mentalidade fascista, e um espaço vazio para a livre organização, mesmo que fosse de um time de futebol, não era bem visto. Assim, o dirigismo estatal e a organização corporativa, além de reconstruírem uma identidade perdida ao longo da instauração da sociedade industrial, liberal e de massas, surgiram como poderoso instrumento anticrise.
Por último, Francisco Carlos propõe a negação do eu e a negação do outro como características intencionais impostas pelos governos fascistas às suas sociedades. Nesta sociedade, estabelecido o que é nacional, tudo o mais é lançado ao pólo extremo do antinacional: por definição não-ariano, o comunista, o cigano, o negro, o estrangeiro e aqueles que afrontam a perfeição nacional / racial – os considerados mental ou fisicamente doentes. Nesse contexto, duas categorias de antinacionais se destacam: o judeu e o cigano. Ambos inserem-se no mesmo caso: são universais, cosmopolitas, falam línguas distintas, impedem a homogeneidade e a coesão nacional. No fascismo não há espaço para o outro, mesmo o outro hierarquizado e subordinado, tão pouco para sua educação e conversão num homem novo, como o comprova o extermínio de judeus e gays. Uma idéia força, raça ou nação, torna-se o único valor moral em torno do qual ergue-se um poderoso código de nação. Assim, armado com um sistema ideológico e mental adequado, o fascismo identifica em si mesmo valores absolutos e qualquer diferença tornar-se-á objeto de eliminação violenta.
O autor ainda vai procurar entender o porquê do Holocausto, o porquê de um verdadeiro extermínio em massa, sem precedentes na história. E isto ele vai procurar em seus algozes, e não nos perseguidos (judeus, ciganos e gays, em sua maioria). O principal inimigo encontrado para os fascistas (em especial os nazistas) foram os judeus. Tal inimigo deveria preencher alguns requisitos de veracidade para que o convencimento pudesse, de fato, funcionar em termos de recepção de idéias. Assim, conforme Neumann, o judeu preenchia alguns desses requisitos para uma parcela importante da população: eram estrangeiros, identificavam-se com o capitalismo e, ao mesmo tempo, com o comunismo, eram largamente avant garde literária, musical, artística em geral, possuíam uma religião específica e um anátema multissecular brandido pelo cristianismo... Assim, a escolha de um inimigo partia de um campo já reconhecido. Francisco Carlos cita Adorno: “o Holocausto está inextrincável e dialeticamente ligado ao ódio e à desconfiança contra todos os que (imaginariamente) são considerados fracos, débeis, felizes e fortes. É nesse sentido que as observações de Adorno e Neumann nos ajudam a pensar o holocausto judaico e todos aqueles que foram assassinados apenas por serem diferentes de um tipo imaginário alardeado como padrão.
Se pensarmos os tipos que foram alvos do fascismo, poderíamos perceber que são os grupos constituídos por uma cultura marcada por laços de solidariedade, de auto-identidade e ajuda. Este tipo de ajuda, que os dava coesão social, ia de encontro aos planos mais totalitários e fascistas de homens como Hitler e Mussolini.
Os pontos levantados acima pelo autor marcam, a nosso ver, a possibilidade de identificação do fascismo enquanto regime ou forma de dominação específica. Limpar o país dos antinacionais (ontem) ou expulsar o imigrante estrangeiro (hoje) é um objetivo que apenas restabelece, num nível imaginário, uma ordem voltada para o passado, expulsa o debate em torno das causas do mal-estar e identifica um alvo para a realização do ódio.

NAZISMO - Links do ódio, Adriana Dias

DIAS, Adriana. “Links de ódio: o racismo, o revisionismo e o neonazismo na internet” In.: Os Urbanitas: Revista de antropologia urbana. Campinas, Ano 3, vol. 3, no 4, julho de 2006.



Neste artigo, Adriana vai fazer uma breve análise introdutória sobre as questões do racismo, revisionismo e neonazismo em sites da internet. Segundo ela, há mais de oito mil sites racistas, neonazistas e revisionistas na internet, cerce de quinhentos em domínio brasileiro. Alguns chegam a atingir a marca de dois milhões de visitas mensais para cento e quarenta e cinco mil endereços de IP distintos.
Ainda segundo ela, praticamente todos os sites são também anti-semitas comprovando que estas novas teorias sobre a história necessariamente perpassam por esta questão. Esse contexto ultrapassa o limite dos sites racistas, e pulveriza a discussão a cerca de identidades raciais no campo digital, conduzindo-a para lugares não habituais para discussão do tema, como por exemplo, comunidades do orkut e torcidas organizadas de futebol.
Segundo as observações de Adriana, os sites são fundamentados num discurso que pretende ser científico e biológico e em articulações míticas e rituais. No primeiro caso, eles simplesmente podem simplificar tudo, dizendo que “nosso mundo simplesmente é hierárquico” ou ainda a velha noção de raças, sendo uma superior às outras. Chega a ser bizarro o que essas pessoas escrevem em seus sites. Por exemplo, “só podemos considerar ariano o que apresentar menos de 32% de material genético não ariano”. Com isso, a mistura de biologia com o saber histórico-político-social se mistura em algo absurdamente controverso, que nenhum raciocínio biológico pode comprovar.
Sobre as articulações míticas e rituais, tudo faz parte da crescente incorporação por estes movimentos de elementos ligados à questões supremas, como, por exemplo, a figura de Hitler. Nesse sentido, a imortalidade do sangue ganha força com a idéia de que a raça ariana tem de ser pura para que o sangue possa ser passado de geração em geração sem sofrer interferências impuras pelo meio do caminho.
O que de mais interessante a antropóloga quer nos passar com este texto, é demonstrar que a internet, como fenômeno tipicamente urbano e moderno, está sendo cada vez mais utilizado para a divulgação de conteúdos neonazistas e racistas, sem absolutamente nenhum controle.

NAZISMO - Revisionismo e negacionismo, Luis Milman

MILMAN, Luis. “Negacionismo: gênese e desenvolvimento do genocídio conceitual” In.: MILMAN, Luis, VIZENTINI, Paulo. Neonazismo, negacionismo e extremismo político. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000.


Luiz Milman vai abortar neste pequeno, porém bastante completa artigo, o tema sobre as origens do negacionismo através de uma análise de seus principais teóricos, bem como destacando suas principais características e em que se baseiam para afirmar certas coisas que são tão absurdamente desacreditáveis.
O pilar central que vai embasar as idéias de Milman é que o movimento negacionista e revisionista que começa a partir do início dos anos 1950 está intrinsecamente ligado ao anti-semitismo. Essas idéias de revisão da história bem como a negação do Holocausto passa, necessariamente, pelos adeptos do anti-semitismo, principalmente na Europa e nos EUA. Discutir o negacionismo é, assim, discutir o anti-semitismo.
É muito comum que, na análise do problema da negação do Holocausto, nos deparemos com falsas questões. Porém, existem fatos que são irrefutáveis, mas que os revisionistas insistem em refutar.
Ainda como historiografia, o negacionismo é uma deformação. Como ideologia, no entanto, ele é uma expressão particularmente assustadora da naturalidade com que convivemos com o perspectivismo relativista, o verbalismo vazio e a demagogia pseudocientífica.
Milman vai apontar como um dos primeiros negacionistas os franceses Paul Rassinier e Robert Faurrisson. Ambos vão dizer quase que a mesma coisa, assim como seus seguidores posteriores. Eles vão estar sempre negando de maneira categórica a existência de Campos de Extermínio e mesmo de uma grande matança de judeus. Para eles, muitos judeus morreram sim, mas em decorrência da guerra – o que seria inevitável. Milman consegue facilmente refutar qualquer afirmativa nesse sentido, uma vez que muitos documentos desmentem tal afirmativa.
O que esses negacionistas fazem é selecionar aqueles documentos que lhes interessam e refutam simplesmente os outros documentos. Até mesmo relatos são ignorados, pois dizem fazer parte de um grande complô judaico internacional contra a Alemanha. Mais uma vez aí o anti-semitismo está no cerne da questão. Para os revisionistas, a Europa e os árabes-palestinos são os principais inimigos do Estado de Israel. Inclusive, o alemão nazista Von Leers, ao se refugiar no Egito, coverteu-se ao islamismo, fazendo o elo entre o anti-semistismo alemão-europeu e o anti-semitismo árabe.
O que de mais interessante Milman nos mostra neste texto é o quão absurdo são os acontecimentos sobre o Holocausto que os revisionistas querem negar. Dizem, por exemplo, que as câmaras de gás não existiram porque não há nenhuma referência escrita sobre isso. De fato, Hitler nunca escreveu nada sobre as câmaras, assim como ele dificilmente emitia alguma ordem por escrito. Hitler fazia isso justamente para disfarçar o que estava acontecendo e, o simples fato de nenhuma ordem desse tipo estar documentada não significa que isso não aconteceu. Recentemente, a descobertas das plantas de Auschiwtz conseguem provar facilmente para o que serviam aquelas câmaras. Sem contar que muitos documentos foram destruídos antes que as forças aliadas chegassem até o bunker de Hitler.
Porém, o que o professor de filosofia quer ressaltar em seu artigo não é apenas refutar as idéias dos negacionistas, mas sim nos mostrar que idéias como estas ainda são recorrentes em nossa sociedade, que a banalidade do mal, como ele chama, parafraseando Hannah Arendt, é algo verdadeiro e muito presente em nossa sociedade, uma vez que uma das principais características dos revisionistas ou neonazistas é acreditar que os crimes por eles cometidos foram necessários e fundamentais, por isso, não carecem de remorso ou algo do gênero.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

CONTEMPORÂNEA - A era da guerra total, de Eric Hobsbawm

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Capítulo 1, p. 29-60 (“A era da guerra total”)


No primeiro capítulo de seu mais famoso livro, Eric Hobsbawm vai expor suas idéias sobre as duas Grandes Guerras mundiais, bem como o período de vinte anos de interregno entre as duas. Porém, Hobsbawm vai ser claramente a favor de compreender as Grandes Guerras do século XX como uma única grande guerra de 31 anos. Uma guerra que começa em 1914 com o assassinato de Francisco Ferdinando e termina com as bombas americanas lançadas sobre Hiroshima e Nagazaki em 1945. Vai ser esta a principal tese que o autor vai defender neste capítulo, apontando as características deste período da História. Além de também defender esta única Grande Guerra, em decorrência disso, defende a teoria de um período de guerra total, ou seja, quando todos os recursos e atenções das principais potências do mundo estão voltados basicamente para os esforços da Guerra.
Na primeira parte de seu primeiro capítulo, o historiador vai falar um pouco mais sobre a Primeira Guerra Mundial, embora deixe bem claro que já tenho falado melhor sobre ela e sobre suas causas em seu livro anterior, Era dos Impérios. Hobsbawm aponta que, antes de 1914, o mundo passou por 100 anos de relativa paz, apenas interrompida pela Guerra da Criméia, entre 1854-6. Em 1914 o mundo vai entrar em uma guerra que vai durar 31 anos e vai deixar milhões de mortos no mundo todo literalmente.
Até então não houvera, em absoluto, guerras mundiais. Tudo isso mudou em 1914. A Primeira Guerra Mundial envolveu todas as grandes potências, e na verdade todos os Estados europeus, com exceção da Espanha, os Países Baixos, os três países da Escandinávia e a Suíça. Embora a ação militar fora da Europa não fosse muito significativa a não ser no Oriente Médio, a guerra naval foi sem dúvida global, assim como na Segunda Guerra Mundial.
Para Hobsbawm, o que de muito importante vai marcar esta guerra, o que a diferencia das anteriores é o número de mortos em decorrência dela. Segundo ele, 1914 inaugura a era do massacre. Em quatro anos de guerra, os franceses perderam 800 mil pessoas; os franceses 1,6 milhão; a Alemanha 1,8 milhão e os EUA 116 mil.
Hobsbawm não entra em detalhes sobre as razões da Primeira Guerra, passa por cima disso. Porém, ele diz que, então como na Segunda Guerra Mundial, os alemães viram-se diante de uma possível guerra em duas frentes: A frente oriental contra a Rússia, e a frente ocidental contra França e Inglaterra. Foi esta última frente que se tornou uma máquina de massacre sem precedentes na história da guerra.
Esta frente ocidental ficou por dois anos nem verdadeiro impasse. Ninguém progredia e ninguém recuava. Foram anos em que o front de batalha não se mexia. A guerra era ininterrupta, porém, sem grandes vitórias em batalhas para nenhum dos lados. É deste período que alguns sobreviventes vão tirar suas “forças” para suas idéias sobre a guerra, como Adolf Hitler: eram os frontsoldat, sendo esta uma experiência formativa da vida.
Enquanto isso, a frente oriental continuava em movimento. Os russos foram os que mais perderam homens com a guerra. Em 1917, quando o país entra em sua própria revolução, se retira da guerra após acordos com a Alemanha e a guerra no oriente é cessada apenas por alguns anos.
Com uma superioridade tecnológica e numérica, os ingleses e americanos conseguem romper o impasse na frente ocidental e avançam, aos poucos, sobre Berlim.
Ao final da guerra surge um problema recorrente: como dividir as “pilhagens” de uma guerra. O Tratado de Versalhes vai ser discutido e assinado pelas potências vencedoras, o que vai gerar grande revolta dos países perdedores, principalmente da Alemanha que sai humilhada do conflito: perde território, tem que pagar indenizações, seu exército é limitado, dentre outros. O presidente americano Woodrow Wilson ainda tenta impor sanções menos humilhantes à Alemanha, mas Inglaterra e França não permitem isso.
Ao final da Guerra também é criada a Liga das Nações, um verdadeiro fracasso da diplomacia da época. Seu principal objetivo era evitar uma nova guerra daquelas proporções, e menos de vinte anos depois, o mundo já estava mergulhado em uma guerra mais violenta ainda, segundo Hobsbawm, uma continuação da primeira.
A segunda parte do capítulo vai tratar da Segunda Guerra Mundial. Basicamente, Hobsbawm vai apontar algumas causas desta guerra, sempre tendo em mente que a Segunda foi uma continuação da primeira. Os países em conflito eram basicamente os mesmos contra os mesmos; quem iniciou a agressão mais uma vez foi a Alemanha; o mundo sentia os efeitos da Crise de 1929 e, Alemanha e Itália encontraram maneiras inéditas para saírem desta crise econômica: o fascismo.
De fato, Hobsbwm não explicita muito bem suas idéias sobre o período entre-guerras. Chega mesmo a simplificar dizendo que os motivos da Segunda Grande Guerra podem ser resumidos na pessoas de Adolf Hitler. Outro motivo também apontado pelo autor, foi a Política do Apaziguamento. Ele não fala desta política com estes termos, mas diz que a política de não-intervenção na expansão nazistas proporcionou que Hitler ganhasse cada vez mais poder. As potências Aliadas acreditavam que seu verdadeiro inimigo era a URSS. Isto demonstrou-se, pelo menos naquele momento, um grave erro.
A Segunda Guerra foi marcada por uma incrível superioridade alemã nos primeiros anos de guerra. A máquina de guerra nazista vinha sendo construída desde o começo dos anos 1930 quando Hitler assumiu o poder. Até 1942, Hitler conseguiu avançar tanto pela frente oriental como pela frente ocidental conseguindo tomar, por exemplo, a França com incrível facilidade.
A entrada dos norte-americanos por um lado e o avanço russo pelo outro, fez com que a Alemanha fosse perdendo cada vez mais seus ganhos territoriais. A Itália já havia deixado a guerra em 1943. O Japão foi o último país do Eixo a se render incondicionalmente após as bombas atômicas. Esta guerra, assim como a primeira, foi uma guerra total. Só pelo lado soviético, foram cerca de 20 milhões de mortos; de judeus em Campos de Extermínio, foram perto de 5 milhões. No total, cerca de 40 milhões de pessoas, entre civis e militares perderam suas vidas nesta guerra. Esta também foi a primeira guerra em que não houve nenhuma distinção entre alvos civis e militares. E isto se deve ao motivo de que, com o aumento da tecnologia, a distância entre a pessoa que aperta um botão e a pessoa que morre em decorrência disso é muito grande, ou seja, quando uma pessoa não vê em quem está atirando, seu objetivo deixa de ser matar pessoas e passa a ser apenas o de acertar alvos e cumprir missões.
Enfim, Hobsbawm quer defender neste capítulo a continuidade das guerras, a segunda sendo decorrência da primeira e o período entre guerras como sendo apenas um intervalo para as potências centrais se rearmarem e partirem de novo para um conflito total, onde pela primeira vez, sistematicamente, não houve divisão entre civis e militares; não houve campos de batalha. As batalhas podiam ser travadas em qualquer lugar, principalmente nas cidades civis, o que levou a Segunda Guerra Mundial a ser o conflito mundial com maior número de mortos em relação ao tempo de guerra.