quinta-feira, 10 de abril de 2008

NAZISMO - "Anatomia do fascismo" (cap. 8) de Paxton

PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007. Capítulo 8: p. 335-361.

Neste último capítulo de seu livro, Paxton vai concluir seu livro tentando responder algumas questões que ele próprio suscitou ao longo de seu compêndio. Primeiramente, ele vai nos passar várias interpretações que podem ser dadas ao fascismo, interpretações estas que podem ser, além de diferentes, conflitantes. Depois, Paxton vai delimitar uma fronteira entre o que foi realmente o fascismo (os casos alemão e italiano) e outros fenômenos políticos que, segundo Paxton, não foram (Portugal, Espanha, França) por não terem passado por todas as etapas do fascismo. Por último e finalmente, uma definição do que é o fascismo vai ser dada, embora o próprio autor deixe bem claro que é uma definição vaga e passível de mudanças.
Para o autor, há varias informações conflitantes sobre o que é o fascismo. São interpretações que foram construídas ao longo da historiografia que Paxton tenta questionar.
As “primeiras tomadas” de interpretações foram as de cunho marxista e liberal. A marxista procura retratar os nazistas como rufiões no poder e agentes do capitalismo, porém, ver o fascismo simplesmente como um instrumento do capitalismo nos leva a equívocos. O capitalismo e o fascismo tornaram-se aliados práticos, embora saibamos que um regime tinha muitos pontos em conflito com o outro. Quanto à interpretação oposta, liberal, que retrata a comunidade empresarial como vítima do fascismo, ela leva demasiadamente a sério as fricções dos escalões médios, endêmicas em relações deste tipo, e também às tentativas dos empresários de se eximir de culpa, após o término da guerra. Os fascistas eram vistos como um “mal necessário” para conter o crescimento do comunismo.
Estas duas interpretações eram as mais pensadas, porém, outras vão surgir. O caráter obviamente obsessivo de alguns fascistas clamava por psicanálise. A biografia mais recente e de maior peso intelectual sobre Hitler conclui, com razão, que temos que nos ater menos às excentricidades do Führer que ao papel projetado sobre ele pelo povo alemão, papel este que desempenhou com sucesso quase até o fim. Talvez sejam os públicos fascistas, e não seus líderes, que precisem ser psicanalisados.
Outra interpretação sugeria que o fascismo havia surgido do desenraizamento e das tensões provocadas por um desenvolvimento econômico e social desigual. Em países que se industrializaram de maneira rápida e tardia, como a Alemanha e a Itália, as tensões de classe eram particularmente agudas, e as soluções de compromisso eram bloqueadas pelas elites pré-industriais sobreviventes.
Uma corrente de pensamento influente vê o fascismo como uma ditadura desenvolvimentista, estabelecida com o propósito de acelerar o crescimento industrial pela poupança forçada e pela arregimentação da força de trabalho. Essa interpretação, segundo Paxton, comete um erro grave ao supor que o fascismo perseguia algum tipo de objetivo racional. O que Hitler queria era submeter a economia para fazê-la servir a fins políticos. As economias fascistas cresceram muito mais antes e depois das guerras mundiais. Durante o período entre guerras e durante a própria Segunda Guerra Mundial, as economias cresceram, mas de maneira maquiada, ou seja, à base de uma grande inflação disfarçada pelo Estado.
Uma multidão de observadores vê o fascismo como uma subespécie do totalitarismo. Giovanni Amendola cunhou o adjetivo totalitário para o fascismo. Paxton vai chegar a conclusão que todo regime fascista era totalitário, porém, a recíproca não era verdadeira. Por exemplo, o Estado Novo brasileiro era totalitário, mas faltavam muitos elementos fascistas em Vargas.
Há ainda interpretações culturais sobre o fascismo. De modo geral o estudo da cultura fascista, em si, não consegue explicar de que forma estes adquiriram o poder de controlar a cultura. De qualquer modo, a cultura difere tão profundamente de um ambiente nacional para outro, e de um período para outro, que é difícil encontrar um programa cultural comum a todos os movimentos fascistas.
Com isso, podemos chega a conclusão de que nenhuma interpretação é passível de uma unanimidade acerca de sua veracidade. Como historiadores, sabemos que a história é mutável, está sempre passível de novas interpretações.
Paxton ainda vai delimitar fronteiras entre os fascismos reais, ou seja, que chegaram ao poder e que se estruturaram como tal, e as demais formas “incompletas” de fascismo através de algumas características que não são intrínsecas ao regime.
A mais simples dessas fronteiras separa o fascismo da tirania clássica. É fácil confundir o fascismo com as ditaduras militares, pois ambos os líderes militarizaram suas sociedades e colocaram as guerras de conquista como uma meta central. No entanto, embora todos os fascismos sejam militaristas, nem todas as ditaduras militares são fascistas. A maioria das ditaduras militares atua como simples tirania, sem ousar desencadear a excitação popular do fascismo, como nos casos das ditaduras militares no Brasil e no Chile.
As fronteiras que separam o fascismo do autoritarismo são mais sutis. Embora seja comum que os regimes autoritários desrespeitem as liberdades civis e sejam capazes de brutalidade homicida, não compartilham da ânsia de reduzir a zero a esfera privada. Os autoritários querem um Estado forte, mas limitado. Hesitam em intervir na economia, coisa que os fascistas estão sempre prontos a fazer. Paxton cita como exemplo os Estados autoritários em Portugal e na Espanha nas décadas de 1930 e 40. Para o autor, eram claramente autoritários, porém, não eram fascistas.
Finalmente, Paxton consegue sistematizar uma definição para o fascismo. Segundo Paxton, o fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionais engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza.
O próprio Paxton quer deixar bem claro que esta é uma definição incompleta e passível de críticas, e concordamos neste ponto. Por exemplo, Paxton não leva em consideração em sua análise regimes que não chegaram às vias de fato, ou seja, não assumiram o poder, como na Bulgária, nem tão pouco considera os regimes de Franco e Salazar como fascistas. Achamos que uma maior compreensão do fascismo como um fenômeno plural seria mais adequada. Como diria Francisco Carlos, “Os fascismos” são muitos e devem ser compreendidos nas suas especificidades.

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