sexta-feira, 9 de maio de 2008

Contemporânea - de Decca - O colonialismo como a glória do império

DE DECCA, Edgard. “O colonialismo como a glória do império” In.: REIS FILHO, Daniel Aarão (Org.) O século XX: o tempo das certezas. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2000.

Neste artigo, de Decca vai nos apresentar uma visão panorâmica sobre como a sociedade européia reagiu ao imperialismo em finais do século XIX e começo do século XX. Predominantemente vai ser abordada uma visão da elite burguesa que se favoreceu imensamente com a expansão imperialista promovida pelas potências européias, descrevendo seus mais novos sonhos e anseios, assim como todas as suas contradições e medos, características da época moderna que se vivia no mundo ocidental. O autor ainda vai se utilizar de vários livros de romance para ilustrar suas idéias, o que deixa o presente trabalho muito mais rico.
Na última década do século XIX, a supremacia econômica do reino da Grã-Bretanha é inquestionável. Para se ter uma idéia, cerca de um quarto da superfície terrestre era dominada pelos interesses de Sua Majestade e da burguesia capitalista imperialista. Como é costume se dizer, este é um império onde o sol nunca se põe. De Decca ressalta a importância de também como as classes média e alta inglesa se sentiam, cada vez mais, fazendo parte deste novo mundo imperial. E não eram só os ingleses que se sentiam assim: França, Alemanha, Bélgica, Itália, cresceram desmesuradamente seus domínios além-mar durante o final do século XIX.
O autor vai apontar como a principal característica desse processo desenfreado por ampliação de espaços a motivação por uma necessidade irrefreável da ampliação de mercados das economias competitivas do capitalismo industrial. Outra particularidade importante a ser destacada é o fato de que essa expansão dirigiu-se, prioritariamente, para o continente africano, para toda a área territorial banhada pelo Oceano Pacífico e para a Ásia, sendo de pouca significação os processos de expansão européia no continente americano.
Ainda uma pequena discussão sobre a noção de imperialismo vai ser abordada. Segundo o autor, nada mais equivocado do que utilizar o termo imperialismo como sinônimo de construção de impérios, porque, para que esse termo tivesse alguma correspondência como realidade, seria necessário que a nação promotora desse império estendesse as suas leis e suas instituições aos territórios anexados e tornasse os povos dessas regiões tão iguais em direitos quanto aqueles que vivem em territórios da nação-mãe. Entretanto, aconteceu o contrário dessa situação. As instituições político-administrativas criadas pelo domínio imperialista jamais se confundiram com as instituições dos Estados-nações europeus. Nesse sentido, podemos definir o imperialismo como uma política deliberada dos Estados europeus de anexação de povos e territórios com vistas à expansão dos mercados capitalistas.
Se a expansão é tudo e o capitalismo precisa de novos mercados consumidores e de suprimentos de matérias-primas, existe ainda aquela sua necessidade maior, que é o reinvestimento do capital acumulado, que não encontra mais espaço nos limites do estado-nação para se reproduzir, sob o risco de cair a zero a sua taxa de lucratividade. A meta principal das nações industriais européias era, portanto, expandir as fronteiras para o capitalismo, mas também expandir os horizontes do homem comum europeu, que vivia nas grandes cidades ainda receoso e perplexo com a velocidade das mudanças tecnológicas e dos valores em uso.
O autor, a partir deste momento, vai procurar nos demonstrar como esta expansão do homem europeu se deu, o que foi, basicamente, uma expansão de seu horizonte, de suas idéias e de seus limites. Mergulhado nas contradições do modernismo, o homem começa a procura de aventuras na África e na Ásia. Nesse momento, o homem passa a ter mais tempo para o lazer e para o consumo de mercadorias e de novidades. Vai ser neste contexto que, segundo o autor, a figura do turista surge no mundo.
Uma série de romances e filmes vão ser citados para ilustrar o sentimento de novidade e expansão do homem. Pegando apenas dois exemplos, o Titanic seria um ótimo exemplo para representar o período. A classe abastada, no topo do navio está sempre em busca de aventuras, pelo descobrimento. Os pobres, que ficavam nos fundos do navio, iam em busca simplesmente de trabalho e melhores condições de vida. Quando da tragédia, é sempre de se supor que os mais miseráveis sofram bem mais do que os mais ricos. A classe burguesa sempre consegue sair da crise e do medo às custas dos mais pobres. Esta seria a lição que uma das grandes tragédias da história pode nos passar e que diz muito a ver com o ambiente moderno e imperialista de então.
Lawrence da Arábia também é lembrado pelo autor como um desbravador do oriente, homem culto e da elite que acaba se aliando com os povos árabes em favor de sua independência contra os turcos no começo do século XX. Antes de tudo, Lawrence é um grande aventureiro e desbravador de novos territórios, o que para o homem europeu estava na moda. Todos queriam se reconhecer em Lawrence como um futuro para si, um futuro de conquistas e expansão, tanto de limites territoriais quanto da independência humana.
A explosão do movimento socialista internacional também vai ser apontado como um fenômeno imperial e moderno. É neste período que a doutrina da internacional comunista toma sua forma, pois, com o crescimento da classe burguesa, segundo Marx, é conseguente o aumento da classe operária e de suas reinvidicações. Neste contexto de imperialismo, se torna mais fácil e comunicação entre o proletariado do mundo o que, em tese, favoreceria a tão sonhada revolução. Nesse sentido, o imperialismo teve que se debater com uma poderosa força política de contestação que ele próprio ajudou a propagar: o socialismo.
Por fim, de Decca ressalta a importância dos avanços tecnológicos para a construção da belle-époque européia, quando estes avanços científicos possibilitaram a independência do homem e, de certa forma, sua felicidade. Confesso que esta parte do texto me ficou um pouco obscura, pois temos consciência que este “progresso” não chegou para todos, nem os benefícios da modernidade puderam ser sentidos por todos em um mesmo nível de satisfação. Também é neste período que vai ocorrer uma grande expansão da mulher, que passa a ser considerada o núcleo familiar, ao mesmo tempo que começa a demonstrar alguma autonomia política e social em relação ao homem e à própria sociedade.
Enfim, a época dos impérios foi de um grande avanço não só territorial, político e econômico mundial, mas também de qualidade de vida, de possibilidades de lazer e diversão, de novas propostas ideológicas e de todo o seu contrário, como não poderia deixar de ser nada que faz parte do moderno mundo.

Robert Paxton - A anatomia do fascismo - Cap. 7

PAXTON, Robert. A anatomia do fascismo. São Paulo: Paz e terra, 2007. Capítulo 7.


No capítulo sete de seu livro sobre o fascismo, Robert Paxton vai se preocupar em descrever alguns regimes ou sistemas políticos dentro e fora da Europa que tenham algumas características fascistas mas que, segundo a teoria de Paxton, não podem ser considerados fascistas de fato ou de direito. Para Paxton, fascistas foram os regimes de Hitler e Mussolini, alguns regimes concomitantes a esses ou mesmo posteriores foram somente inspirados ou sofreram influência desses fascismos clássicos. Paxton ainda se indaga se o fascismo ainda é possível no mundo de hoje, o que ele vai responder no final do capítulo.
Alguns estudiosos importantes afirmaram que o período fascista terminou em 1945. O maior obstáculo ao renascimento do fascismo clássico, após 1945, foi a repugnância que ele veio a inspirar, além de enfrentar a crescente prosperidade e a globalização aparentemente irreversível da economia mundial e o triunfo do consumismo individual, coisas diametralmente opostas ao fascismo. Porém, o fim desse regime foi posto em dúvida na década de 1990 por uma série de acontecimentos preocupantes: a limpeza étnica nos Bálcãs; a exacerbação dos nacionalismos excludentes no Leste europeu pós-comunista; a disseminação da violência dos skinheads contra os imigrantes, na Grã-Bretanha, na Alemanha, na Escandinávia e na Itália; a primeira participação de um partido neofascista num governo europeu, na Itália; a surpreendente chegada em segundo lugar nas eleições de 2002, na França, de Jean-Marie Le Pen, declaradamente de extrema-direita.
Atualmente, a posição mais comum é que, embora o fascismo ainda esteja vivo, as condições da Europa do entreguerras, que permitiram a ela fundar grandes movimentos e até mesmo tomar o poder, deixaram de existir, e Paxton concorda e vai defender esta tese. Porém, se entendermos o renascimento de um fascismo atualizado como o surgimento de algum tipo de equivalente funcional, e não de uma repetição exata, essa recorrência é de fato possível.
Paxton ainda vai traçar um extenso panorama da Europa Ocidental pós-guerra, buscando alguns resquícios do fascismo ainda existentes e como eles estão se manifestando até os dias de hoje.
Ex-nazistas e ex-fascistas impenitentes, durante toda a geração que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, criaram movimentos herdeiros em todos os países europeus. A Alemanha, como é natural, foi a que despertou as maiores preocupações. Usando as palavras de Francisco Carlos, “a desnazificação na Alemanha nazista não foi completa”. Paxton vai querer demonstrar que, tanto na Alemanha quanto na Itália, alguns pequenos partidos fascistas ainda continuaram com força, principalmente a partir da década de 1990. Em outros países da Europa Ocidental os movimentos neofascistas são ainda mais fortes, como na França, na Áustria e na Espanha.
Para Paxton, o ressurgimento do fascismo se deve a vários fatores. Primeiro, os fascistas europeus não foram totalmente eliminados, ou mortos, até 1945. Muitos ainda sobreviveram. Em segundo lugar, a nova economia européia causa desemprego e divide a população entre mais qualificados em nível escolar e outros menos qualificados. E em terceiro, porém não menos importante, o problema dos imigrantes que foram em massa para a Europa nas décadas de 1960 e 70. Além do mais, a imigração para a Europa havia mudado de figura em relação a tempos anteriores do fascismo. Enquanto os imigrantes de antes vinham da Europa do Sul ou do Leste, diferindo apenas ligeiramente de seus anfitriões, os novos imigrantes vinham agora de seus antigos territórios coloniais: África do Norte e África Subsaariana, Caribe, Índia, Paquistão e Turquia. E enquanto os imigrantes de antes tendiam a ser rapidamente assimilados e a desaparecer na população em geral, os novos aferravam-se a costumes e religiões visivelmente diferentes.
Em suma, ainda que na Europa Ocidental, a partir de 1945, vários movimentos neofascistas tenham surgido, as circunstâncias, hoje em dia, são tão diferentes da Europa do entreguerras que não há abertura significativa para partidos abertamente filiados ao fascismo clássico.
Já no Leste europeu pós-soviético, em nenhum outro lugar do planeta produziu, em anos recentes, uma coleção mais virulenta de movimentos de direita radical. Apenas para citar um grande exemplo, podemos citar os massacres nos Bálcãs, promovidos por Milosevic, no começo da década de 1990. Segundo Paxton, este foi um claro movimento de limpeza étnica promovido na região, o que talvez seja a característica mais cruel e visível do fascismo. Portanto, foi na Iugoslávia pós-comunista que surgiu o equivalente mais próximo das políticas nazistas de extermínio já ocorrido na Europa do pós-guerra.
Fora da Europa, Paxton analisa vários casos que, por muitos estudiosos são considerados fascistas. Para o autor, o que de mais próximo surgiu de um movimento com as características fascistas fora da Europa foi a experiência brasileira. Os integralistas brasileiros foi um movimento muito bem organizado, declaradamente fascista, com muitos elementos característicos deste fenômeno.
Outros casos ainda foram levados em consideração, como os regimes de Pinochet no Chile, Perón na Argentina e o Japão imperial da Segunda Guerra Mundial. No geral todos estes regimes se enquadram na teoria geral da Paxton, que diz que foram movimentos inspirados nos fascismos clássicos, com características próprias e com muitos elementos básicos diferentes dos regimes clássicos.
Paxton vai tirar duas conclusões de seu texto. A primeira é que não existiu nenhum regime literalmente, ou completamente, fascista fora da Alemanha e da Itália, mas que, de fato, inspirou muitos extremistas em todo o mundo. Em segundo, se aceitarmos uma interpretação do fascismo que não se limite à cultura do fim-do-século europeu, a possibilidade de um fascismo não-europeu não é menor que a que existia na década de 1930, e talvez ainda seja maior, devido ao grande aumento do número de experiências fracassadas de implantação da democracia e de governo representativo ocorrido desde 1945. Enfim, o fascismo alemão e italiano não seriam mais possíveis, mas seriam sim, muito bem possíveis, movimentos similares que denominaríamos neofascistas.