quinta-feira, 10 de abril de 2008

CONTEMPORÂNEA - "A era dos impérios" (cap. 2) de Eric Hobsbawn

HOBSBAWN, Eric J. A era dos impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. Capítulo 2.

No capítulo 2 de “A era dos impérios”, Eric J. Hobsbawn vai destacar o cenário econômico mundial do período compreendido entre os anos de 1875 e 1974. Como é de conhecimento geral, o mundo passou por uma Grande Depressão econômica nos anos 1870, depressão esta que só veio a ser superada em meados da década de 1890 até o começo da Primeira Guerra Mundial. Hobsbawn vai apontar as causas e as principais características dessa crise econômica bem como apontar como o capitalismo conseguiu sair desta profunda depressão.
Hobsbawn vai descrever que, embora o ritmo comercial, que configura o ritmo básico de uma economia capitalista, tenha, por certo, gerado algumas depressões agudas no período entre 1873 e meados dos anos 1890, a produção mundial, longe de estagnar, continuou a aumentar acentuadamente. Foi exatamente nessas décadas que as economias mundiais industriais americana e alemã avançaram a passos agigantados e que a revolução industrial se estendeu a novos países, como a Suécia e a Rússia. Automaticamente, uma indagação vem à mente de Hobsbawn: a de se em um período com um aumento tão espetacular da produção podia ser descrito como uma “Grande Depressão”? A resposta, como veremos, é afirmativa, pois o aumento da produção não significa, necessariamente, aumento do desenvolvimento econômico.
Quanto aos economistas e empresários, o que preocupava até os de mentalidade menos apocalíptica era a prolongada depressão de preços, uma depressão de juros e uma depressão de lucros. Em suma, após o colapso reconhecidamente drástico dos anos 1870 o que estava em questão não era a produção, mas sua lucratividade. A produção aumentou, mas a lucratividade, pelo contrário, diminuiu. A agricultura foi a vítima mais espetacular desse declínio dos lucros.
O setor empresarial tinha seus próprios problemas. Uma época em que se incutiu a crença de que um aumento de preços (inflação) é um desastre econômico pode ter dificuldades de acreditar que os homens de negócios do século XIX se preocupavam muito mais com uma queda dos preços. Outra dificuldade foi que os custos de produção eram, a curto prazo, mais estáveis que o preço, pois os salários não podiam ser, ou não foram, reduzidos proporcionalmente, ao passo que as empresas também estavam sobrecarregadas com fábricas e equipamentos já obsoletos, ou em vias de se tornar; ou com fábricas e equipamentos novos e caros, que, dados os baixos lucros, demoravam mais que o previsto a se serem pagos.
O cenário econômico mundial que o autor nos apresenta é o de grande aumento da produção, acompanhado da queda dos preços (deflação) e de um crescimento do mercado consumidor não suficiente, o que acarretou uma queda das taxas de lucro. A Grande Depressão fechou a longa era do liberalismo econômico que vai ser substituída por certo protecionismo econômico das grandes potências européias, com exceção da Grã-Bretanha que ainda abraçava a bandeira do livre comércio.
Uma saída encontrada para a crise foi a liberalização do comércio ultramarino, ou seja, o imperialismo. Assim sendo, o livre comércio parecia indispensável, pois permitia que os fornecedores ultramarinos de produtos primários trocassem suas mercadorias por manufaturados britânicos, reforçando assim a simbiose entre o Reino Unido e o mundo subdesenvolvido. A Grã-Bretanha continuou comprometida com o liberalismo econômico, dando aos países protecionistas ao mesmo tempo a liberdade de controlar seus mercados internos e muito espaço para promover suas exportações. Em uma de suas geniais frases, Hobsbawn diz que “o liberalismo foi a anarquia da burguesia”. (p. 66)
Mas, na prática, esse modelo era inadequado. A economia capitalista mundial em expansão era formada por um conjunto de blocos sólidos, mas também fluidos. Independente das origens das “economias nacionais” que constituíam esses blocos e das limitações teóricas de uma teoria econômica baseadas nelas, as economias nacionais existiam porque os Estados-nação existiam. Porém, o mundo desenvolvido não era só uma massa de “economias nacionais”. A industrialização e a Depressão transformaram-nas num grupo de economias rivais, em que os ganhos de uma pareciam ameaçar a posição de outras.
Nesta onda do protecionismo econômico, se deu a origem do que conhecemos como “capitalismo monopolista”, ou seja, um surto de cartéis que acabam com as empresas menores, principalmente as do setor bancário.
Na indústria, uma verdadeira revolução na produção vai melhorar o desempenho dela: o taylorismo. A teoria principal de Taylor era conseguir que os operários trabalhassem mais. Em primeiro lugar, isolando cada operário de seu grupo de trabalho e transferindo o controle do processo de trabalho do operário ou do grupo a agentes da administração; em segundo, uma divisão sistemática de cada processo em unidades componentes cronometradas; e em terceiro, vários sistemas de pagamento dos salários, o que incentivaria o operário a produzir mais.
Havia ainda, uma terceira saída possível para os problemas empresariais: o imperialismo. Não há como negar que a pressão do capital à procura de investimentos mais lucrativos, bem como a da produção à procura de mercados, contribuíram para as políticas expansionistas – inclusive a conquista colonial.
Portanto, chegamos a dois períodos razoavelmente bem definidos: o de uma Grande Depressão na década de 1870 e a sua superação a partir de meados de 1890. A recuperação deveu-se, como já apontou Hobsbawn, a três principais medidas tomadas: o protecionismo econômico (exceto a “rainha dos mares”), proporcionando a criação do “capitalismo monopolista”; o taylorismo, maximizando a produção; e o imperialismo, buscando matérias-prima e mercado consumidor.
Porém, esta passagem da Depressão para a prosperidade foi muito rápida. Segundo Hobsbawn, “a passagem da preocupação à euforia foi tão súbita e dramática”. (p. 73) De qualquer maneira, tornou-se evidente que aqueles que haviam feito previsões sombrias acerca do futuro do capitalismo, ou mesmo a cerca de seu colapso iminente, haviam errado.
Segundo Hobsbawn, o que tornou a economia mundial tão dinâmica, seja qual for a explicação detalhada, a chave do problema está claramente na faixa central de países industrializados. Esses países agora formavam uma massa produtiva enorme, crescendo e se estendendo rapidamente no núcleo da economia mundial.
Para finalizar, o historiador vai traçar um esboço, ou resumo, da economia mundial da Era do Império, características essas que podem perfeitamente exemplificar a queda e ascensão da economia mundial, apontando as principais contradições do capitalismo.
Em primeiro lugar, foi uma economia cuja base geográfica era muito mais ampla do que antes. Sua parcela industrializada e em processo de industrialização aumentara. A economia da Era dos Impérios foi aquela em que Baku (no Azerbaijão) e a bacia do Donets (na Ucrânia) foram integradas à geografia industrial. Por conseguinte a economia mundial agora era notavelmente mais pluralista que antes. A economia britânica deixou de ser a única totalmente industrializada e, na verdade, a única industrial. Outras potências começaram a aparecer no cenário internacional, como os EUA e a Alemanha.
A terceira característica da economia mundial é a que mais salta aos olhos: a revolução tecnológica. Como todos nós sabemos, foi nessa época que o telefone e o telégrafo sem fio, o fonógrafo e o cinema, o automóvel e o avião passaram a fazer parte do cenário da vida moderna.
A quarta característica foi uma dupla transformação da empresa capitalista: em sua estrutura e em seu modus operandi. Por um lado, houve a concentração de capital. Por outro, houve uma tentativa sistemática de racionalizar a produção e a direção das empresas aplicando métodos científicos não só à tecnologia, mas também à organização e aos cálculos, ou seja, tayloriamo.
A quinta característica foi uma transformação excepcional do mercado de bens de consumo: uma mudança tanto quantitativa quanto qualitativa. Com o aumento da população, da urbanização e da renda real, o mercado de massa, até então mais ou menos restrito à alimentação e ao vestuário, ou seja, às necessidades básicas, começou a dominar as indústrias produtoras de bens de consumo.
O aspecto acima também se ajustava naturalmente à sexta característica da economia: o crescimento acentuado do setor terciário da economia, tanto público quanto privado – trabalho em escritórios, lojas e outros serviços.
Enfim, estas seis proposições do capitalismo em finais do século XIX resume bem a visão de Hobsbawn sobre o panorama capitalista à época.

NAZISMO - "Anatomia do fascismo" (cap. 8) de Paxton

PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007. Capítulo 8: p. 335-361.

Neste último capítulo de seu livro, Paxton vai concluir seu livro tentando responder algumas questões que ele próprio suscitou ao longo de seu compêndio. Primeiramente, ele vai nos passar várias interpretações que podem ser dadas ao fascismo, interpretações estas que podem ser, além de diferentes, conflitantes. Depois, Paxton vai delimitar uma fronteira entre o que foi realmente o fascismo (os casos alemão e italiano) e outros fenômenos políticos que, segundo Paxton, não foram (Portugal, Espanha, França) por não terem passado por todas as etapas do fascismo. Por último e finalmente, uma definição do que é o fascismo vai ser dada, embora o próprio autor deixe bem claro que é uma definição vaga e passível de mudanças.
Para o autor, há varias informações conflitantes sobre o que é o fascismo. São interpretações que foram construídas ao longo da historiografia que Paxton tenta questionar.
As “primeiras tomadas” de interpretações foram as de cunho marxista e liberal. A marxista procura retratar os nazistas como rufiões no poder e agentes do capitalismo, porém, ver o fascismo simplesmente como um instrumento do capitalismo nos leva a equívocos. O capitalismo e o fascismo tornaram-se aliados práticos, embora saibamos que um regime tinha muitos pontos em conflito com o outro. Quanto à interpretação oposta, liberal, que retrata a comunidade empresarial como vítima do fascismo, ela leva demasiadamente a sério as fricções dos escalões médios, endêmicas em relações deste tipo, e também às tentativas dos empresários de se eximir de culpa, após o término da guerra. Os fascistas eram vistos como um “mal necessário” para conter o crescimento do comunismo.
Estas duas interpretações eram as mais pensadas, porém, outras vão surgir. O caráter obviamente obsessivo de alguns fascistas clamava por psicanálise. A biografia mais recente e de maior peso intelectual sobre Hitler conclui, com razão, que temos que nos ater menos às excentricidades do Führer que ao papel projetado sobre ele pelo povo alemão, papel este que desempenhou com sucesso quase até o fim. Talvez sejam os públicos fascistas, e não seus líderes, que precisem ser psicanalisados.
Outra interpretação sugeria que o fascismo havia surgido do desenraizamento e das tensões provocadas por um desenvolvimento econômico e social desigual. Em países que se industrializaram de maneira rápida e tardia, como a Alemanha e a Itália, as tensões de classe eram particularmente agudas, e as soluções de compromisso eram bloqueadas pelas elites pré-industriais sobreviventes.
Uma corrente de pensamento influente vê o fascismo como uma ditadura desenvolvimentista, estabelecida com o propósito de acelerar o crescimento industrial pela poupança forçada e pela arregimentação da força de trabalho. Essa interpretação, segundo Paxton, comete um erro grave ao supor que o fascismo perseguia algum tipo de objetivo racional. O que Hitler queria era submeter a economia para fazê-la servir a fins políticos. As economias fascistas cresceram muito mais antes e depois das guerras mundiais. Durante o período entre guerras e durante a própria Segunda Guerra Mundial, as economias cresceram, mas de maneira maquiada, ou seja, à base de uma grande inflação disfarçada pelo Estado.
Uma multidão de observadores vê o fascismo como uma subespécie do totalitarismo. Giovanni Amendola cunhou o adjetivo totalitário para o fascismo. Paxton vai chegar a conclusão que todo regime fascista era totalitário, porém, a recíproca não era verdadeira. Por exemplo, o Estado Novo brasileiro era totalitário, mas faltavam muitos elementos fascistas em Vargas.
Há ainda interpretações culturais sobre o fascismo. De modo geral o estudo da cultura fascista, em si, não consegue explicar de que forma estes adquiriram o poder de controlar a cultura. De qualquer modo, a cultura difere tão profundamente de um ambiente nacional para outro, e de um período para outro, que é difícil encontrar um programa cultural comum a todos os movimentos fascistas.
Com isso, podemos chega a conclusão de que nenhuma interpretação é passível de uma unanimidade acerca de sua veracidade. Como historiadores, sabemos que a história é mutável, está sempre passível de novas interpretações.
Paxton ainda vai delimitar fronteiras entre os fascismos reais, ou seja, que chegaram ao poder e que se estruturaram como tal, e as demais formas “incompletas” de fascismo através de algumas características que não são intrínsecas ao regime.
A mais simples dessas fronteiras separa o fascismo da tirania clássica. É fácil confundir o fascismo com as ditaduras militares, pois ambos os líderes militarizaram suas sociedades e colocaram as guerras de conquista como uma meta central. No entanto, embora todos os fascismos sejam militaristas, nem todas as ditaduras militares são fascistas. A maioria das ditaduras militares atua como simples tirania, sem ousar desencadear a excitação popular do fascismo, como nos casos das ditaduras militares no Brasil e no Chile.
As fronteiras que separam o fascismo do autoritarismo são mais sutis. Embora seja comum que os regimes autoritários desrespeitem as liberdades civis e sejam capazes de brutalidade homicida, não compartilham da ânsia de reduzir a zero a esfera privada. Os autoritários querem um Estado forte, mas limitado. Hesitam em intervir na economia, coisa que os fascistas estão sempre prontos a fazer. Paxton cita como exemplo os Estados autoritários em Portugal e na Espanha nas décadas de 1930 e 40. Para o autor, eram claramente autoritários, porém, não eram fascistas.
Finalmente, Paxton consegue sistematizar uma definição para o fascismo. Segundo Paxton, o fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionais engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza.
O próprio Paxton quer deixar bem claro que esta é uma definição incompleta e passível de críticas, e concordamos neste ponto. Por exemplo, Paxton não leva em consideração em sua análise regimes que não chegaram às vias de fato, ou seja, não assumiram o poder, como na Bulgária, nem tão pouco considera os regimes de Franco e Salazar como fascistas. Achamos que uma maior compreensão do fascismo como um fenômeno plural seria mais adequada. Como diria Francisco Carlos, “Os fascismos” são muitos e devem ser compreendidos nas suas especificidades.